Intitulada “Tratado da Má Educação”, obra de pesquisador, lançada pela Gênio Criador Editora, aborda os desafios do ensino e aprendizagem nas escolas do país
Por Danilo Moreira
Já não é novidade que a Educação no Brasil enfrenta desafios que se arrastam por décadas — ou até séculos. Um deles é o abandono escolar. Segundo o IBGE, em 2022, por exemplo, cerca de 20% dos jovens de 14 a 29 anos do país não completaram alguma das etapas da Educação Básica.
O fracasso escolar é tema de Tratado da Má Educação, novo livro do professor e coordenador de Ensino à Distância Renato Bulcão, e publicado pela Gênio Criador Editora. O autor analisa as causas que contribuem para essa situação, que vai além de notas baixas e reprovações.
Por meio do livro, o professor vai a fundo e investiga fatores estruturais e históricos que originaram os problemas relacionados a essa temática, permeada por temas como religião, política, autoestima e muito mais. Assim, o pesquisador faz reflexões importantes e provoca o leitor a enxergar além das soluções superficiais.
O livro será lançado oficialmente no dia 2 de dezembro, na sede da Fiesp, na Avenida Paulista, das 16h às 19h. A obra conta com uma versão impressa e em eBook, disponível no hotsite da publicação e que também será publicada na Amazon.
Conversamos com Renato Bulcão para saber mais sobre o livro e curiosidades, como o processo de criação e pesquisa. Renato é professor de filosofia e coordenador de EAD em instituições de ensino superior privado, mas lecionou em locais como a USP (onde, nos anos 2000, atuou como pesquisador do laboratório “Escola do Futuro”), UNIP e Yduqs (Wyden).
Renato Bulcão, pesquisador e professor de Filosofia
Veja a seguir como foi a nossa conversa com o autor:
Como surgiu a ideia de escrever o livro?
Em 2022 e início de 2023 começaram as discussões sobre o Ensino Médio e muitas declarações eram elegias da extremas direita e esquerda. Educação é dotar a pessoa de conhecimento necessário para trabalhar e dessa forma ter autonomia. Mas, a ideologia que os extremos políticos propagam fazem crer que ela é que determina a Educação. Não me parece que os alunos da Coréia do Norte e da Coréia do Sul aprendem matemática e física de forma ideologicamente diferente. Apenas disciplinas como história e literatura estão mais expostas à ideologia. Escrevi o livro para contribuir com essas e outras discussões relacionadas ao fracasso escolar.
Além de abordar a relação que fazem da Educação e questões ideológicas, quais outros aspectos contribuidores para o fracasso escolar o livro denuncia?
A Educação foi pensada nos séculos 19 e 20 como extensões da formação religiosa. Todas as religiões ofereciam escolas nos dias de serviço presencial religioso. A Educação laica no Brasil começou na década de 1930. Foi fortemente combatida pela Igreja Católica, que tinha o monopólio da religião inscrita na Constituição, mas perdeu o controle absoluto do ensino. Nosso currículo vigente foi montado nessa época e até hoje não mudou.
Com todas as modificações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o currículo apenas recebeu atualizações de informação. Mesmo assim, houve mais atualizações nas matérias de física, química e ciências do que nas tradicionais. A língua portuguesa, por exemplo, adaptou as reformas ortográficas da década de 1970 e a mais recente que, padronizou-a aos PALOPS [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa].
No mais, ensina-se o que é sujeito oculto da mesma forma. Isso faz os alunos não terem interesse nas aulas. Preferem os atalhos ensinados no YouTube para irem bem nas provas oficiais, o que, por sua vez demonstra aquilo que os pesquisadores do EAD já sabem há pelo menos 15 anos: a educação é uma técnica, da mesma maneira que a educação musical ensina a tocar um instrumento, e existem técnicas diferentes para que o aluno alcance o mesmo resultado, toda educação segue o mesmo princípio.
A ideologia está nas perguntas, como mostrou a polêmica da questão 89 do ENEM deste ano, que questiona a lógica do agronegócio. O conteúdo do período de Dilma e de Temer/Bolsonaro ainda é o mesmo. Mas a forma de perguntar muda a interpretação do conteúdo.
Para qual tipo de público o livro é indicado?
Para todos que estão preocupados e discutindo as questões sobre a Educação no Brasil, que fabrica a pobreza. E isso não muda mesmo que o governo tenha outro direcionamento político. O problema principal é que não se educa para que através do trabalho se saia da pobreza. Os conteúdos e práticas são propostos pela burguesia, imitando aquilo que acontece em escolas de elite. Isso é considerado qualidade de educação. Enquanto isso, estudantes chineses, japoneses e coreanos ainda utilizam técnicas para decorar conteúdo e se saem muito bem. A obra também é indicada a secretários de Educação e suas equipes.
De modo geral, como a obra contribui para a discussão sobre a temática do fracasso escolar?
O livro traz dados publicados, a maioria do próprio INEP e do MEC, mostrando que existem três momentos claros que promovem a exclusão e a pobreza: ao final da 4º série do Fundamental, no 6º ano do Fundamental 2 e no 1º ano do Ensino Médio. No primeiro foi observada a evasão de alunos muito pobres, que já aprenderam, ou acreditam que aprenderam a ler e escrever.
No 6º ano temos ainda uma evasão liderada por meninos que precisam trabalhar, mas dessa vez acompanhados por meninas pelo mesmo motivo, e uma porcentagem expressiva delas são mães solo.
Ao final do primeiro ano do Ensino Médio, saem 20% dos alunos que chegaram até aqui. Todos precisando trabalhar e com dificuldade de entender o contexto daquilo que é ensinado. Além disso, o custo da repetência e da evasão alcança por ano 200 milhões de reais em desperdício.
Quais são os principais mitos sobre a Educação no Brasil e de que forma o livro combate essas visões equivocadas?
O primeiro mito é que educação é um sacerdócio. Na verdade, é uma profissão que precisa ser bem remunerada.
O segundo grande mito é que o conteúdo determina a ideologia. Talvez em Literatura e História isso seja verdadeiro, em parte. Mas em todas as outras matérias, incluindo português, são técnicas para conhecer o mundo e sua realidade. Então, temos discussões religiosas e ideológicas que pertencem à política, enquanto o conhecimento prático que é necessário para entender o mundo fica relegado à vala comum do conteudismo.
O terceiro mito é que a Educação antigamente era melhor. Não era. Meu avô, por exemplo, aprendeu na escola que o átomo era indivisível e que era necessário estudar latim para progredir na vida. Hoje sabemos que o átomo se compõe de diversas partículas e que latim de fato, é uma língua morta.
Além de abordar os desafios até seculares do cenário educacional brasileiro, quais outros aspectos a obra denuncia?
O livro mostra como a sociedade se estrutura dentro de princípios percebidos pelo filósofo francês Michel Foucault, com detalhes de comportamento para promover essa estrutura social a partir de ideias do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Por isso que em nosso país professores ganham tão mal (ou pior) do que policiais militares e agentes carcerários.
No fundo, os Estados investem, com ou sem a ajuda da União, cerca de R$ 500 em cada aluno, em cada preso e em cada doente que utiliza o SUS. Mas contratamos muito mais policiais, que tem formação de Ensino Médio, do que professores, que hoje em dia cada vez mais passam por uma universidade.
O número de alunos evadidos por ano equivale ao número de presos no país. Então a sociedade brasileira está claramente estruturada dentro da lógica do vigiar e punir, abordada por Foucault, sendo que as classes pobres são as mais punidas.
Mesmo sob governos progressistas, o currículo escolar se organiza para excluir os pobres da escola e jogá-los nas ruas ainda muito jovens para trabalharem sem nenhuma proteção institucional. “Não sabem interpretar texto? Azar o deles, cadeia neles!”.
De maneira geral, como foi o processo de pesquisa para a composição do trabalho? Foi fácil encontrar materiais sobre os aspectos abordados no livro?
O livro decorre de dois veios claros: os bancos de teses e revistas acadêmicas sobre Educação, e as reportagens midiáticas sobre o assunto. Desenvolvi o conteúdo primeiro como uma tese; depois adaptei o texto e facilitei a leitura. Hoje, tudo que é importante e foi produzido depois de 2000 está ao alcance na Internet. Apesar disso, algumas universidades ainda fecham o acesso aos seus bancos de teses, mas geralmente são as menos importantes que fazem isso.
Durante o período mais difícil da pandemia de Covid-19, muito se falou da implementação (às vezes às pressas) do ensino remoto e, principalmente, de suas possibilidades e desafios. O livro fala do ensino remoto/híbrido e o uso de novas tecnologias para essas finalidades?
O livro não aborda nem o ensino remoto, nem o EAD. Mas deixa claro que soluções tecnológicas estão muito além do alcance do investimento em educação possível no país. Claro que a distribuição de livros e textos em PDF para celulares são uma forma mais barata de levar conteúdo aos alunos. Mas isso não vai substituir a sala de aula que, se for bem mantida, pode abrigar gerações de alunos nas quatro paredes.
Se você distribuir tablets ou laptops aos alunos de Ensino Médio, vai precisar gastar milhões em licenças de software apenas para manter atualizados os sistemas operacionais. Isso não pode ser proposta para o ensino público no Brasil. A lousa, o giz, o caderno e o lápis, além dos livros, ainda têm muita vida útil na civilização.
Por outro lado, a maioria das escolas públicas ensina física, química, geografia e ciências de uma forma geral, sem o apoio de laboratórios. A tecnologia pode suprir parte dessa lacuna. Mas achar que as novidades que são vendidas para as escolas dos muito ricos devem ser “democratizadas”, é achar que não existe orçamento no Estado e que os recursos são infinitos. Sabemos hoje com a devastação do planeta que não existem recursos infinitos.
Como assim?
Existem recursos tecnológicos que perduram e barateiam os custos da Educação. Imprimir livros é uma delas. Usar cadernos também. De outro lado existem tecnologias que são patenteadas e monopólio de empresas internacionais, como o Windows, por exemplo, da Microsoft. Sabemos que o Windows sofre substituições programadas que não são avisadas quando da compra do produto. Um usuário privado sabe que um dia vai ter de comprar um Windows mais novo. Mas pensar que o Estado vai ter de comprar milhões de licenças antes de cada ciclo completo de Ensino Básico de cada aluno não pode ser a meta de quem investe em Educação pública.
Numa escola privada, esses gastos entram nos custos familiares. Já na pública, as contas de luz da escola e do público dessas escolas serão impactadas, e esses custos serão pesados para o Estado, principalmente para os municípios. Tudo isso sem contar que os provedores de internet também são despesas.
Em suma, quando a tecnologia permite baratear custos, como no ensino universitário privado, faz até sentido pensar na aplicação de todas as tecnologias do ensino particular para o público.
Livro Tratado da Má Educação em versão de gráfica
Você já publicou outros livros/estudos sobre o assunto?
Esse é meu primeiro livro integralmente dedicado à Educação. Desde 2007, publico regularmente em coletâneas que são especializadas em EAD e inovação na Educação. Comecei naquele mesmo ano participando do livro “Educação a Distância — O Estado da Arte”, organizado por Fredric Litto e Marcos Formiga (Editora Pearson). Também tive capítulos aceitos em publicações da China, Índia e Estados Unidos, além de muitas participações no Brasil.
De modo geral, como foi a experiência de publicar o livro pela Gênio Criador? Foi a sua primeira publicação por meio da Editora?
Conheço a Cleusa Sakamoto [Diretora Editorial da Gênio Criador] há algum tempo e fomos colegas de Doutorado. Estimo muito sua seriedade e empenho, além do nome da Editora. Quem não gosta de publicar um livro cuja editora indica que o autor é um “gênio criador”?
Gostaria de deixar uma mensagem especial ao público?
A maioria dos preconceitos que você tem não foi ensinada na escola, mas na família. O “Tratado da Má Educação” mostra que a maioria dos problemas sociais que decorrem da Educação são produzidos por ministros e secretários de Educação que não entendem nada do assunto. Você se operaria com um médico que não estudou? Dirigiria um automóvel que não foi projetado por um engenheiro ou pagaria para morar no décimo andar se soubesse que as estruturas do prédio não foram calculadas corretamente?
Mas, ninguém se importa se nas escolas públicas, que abrigam 75% dos alunos brasileiros, ninguém aprenda a ler e escrever corretamente. Enquanto isso, tanto faz se o motorista de ônibus não entende o perigo de correr demais, se a caixa do supermercado não souber calcular o troco, se a atendente de farmácia se enganar ao entregar o remédio, se o policial não souber conversar com respeito com um cidadão. Isso tudo é estimular a Má Educação. E não importa se você é de direita ou de esquerda, tudo que está no livro diz respeito a toda sociedade brasileira, que está educando o país para ser eternamente dependente e subdesenvolvido.
Se interessou pelo livro? Acompanhe os canais da Gênio Criador Editora para saber mais, além de visitar o hotsite do autor, criado especialmente para a obra.
Fotos: Renato Bulcão