Gênio Criador Editora

Livros que sofreram tentativa de censura

O avesso da liberdade: 10 livros que já foram censurados no Brasil e no mundo

Romance “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório, foi recolhido de escolas de três estados brasileiros; nos EUA, mais de 4 mil livros foram removidos de bibliotecas somente em 2023 

Por Danilo Moreira

Recentemente, autores brasileiros têm sido notícia por conta de tentativas de proibições de seus livros em escolas. Um desses romances é “O avesso da pele”, do escritor carioca Jeferson Tenório, que foi recolhido de uma escola no Rio Grande do Sul e pelos governos do Mato Grosso do Sul, Goiás e Paraná, conforme conta o G1.

Os locais que vetaram o livro afirmam, de modo geral, que a obra possui “linguagem imprópria para menores” e “conteúdo sexual”, acusação endossada por deputados conservadores.

Lançada em 2020 e vencedor do Prêmio Jabuti, a obra denuncia o racismo estrutural e, desde 2022, faz parte do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD).

O caso de “O avesso da pele” (Companhia das Letras) é um exemplo de um cenário preocupante que vem se configurando nos últimos anos no universo dos livros. Grupos conservadores, políticos e organizações religiosas têm promovido tentativas cada vez mais organizadas de proibição de obras, especialmente em escolas.

O Brasil não é o único país a ver essas tentativas de censura. Nos Estados Unidos, por exemplo, um levantamento da Associação Americana de Bibliotecas (ALA, na sigla em inglês) aponta que, em 2023, foram removidos 4.240 títulos de bibliotecas no país, quase o dobro do registrado em 2022, em que 2.571 livros foram vetados. É o maior número desde o início do monitoramento, há mais de duas décadas.

Curiosamente, a maior parte das obras debatem questões como racismo, diversidade e denunciam mazelas sociais e violações de direitos humanos. O movimento preocupa editoras, autores, profissionais do livro, associações e demais entusiastas da liberdade de expressão.

Para contribuir com a reflexão sobre esse tema, a Gênio Criador Editora selecionou alguns livros consagrados de autores brasileiros e estrangeiros que já foram vítimas de proibições.

Veja a seguir:

1. Capitães da Areia, de Jorge Amado

Publicado em 1937, em plena ditadura do Estado Novo, a obra é um dos maiores clássicos do autor baiano e da literatura brasileira do século XX.

O tom realista da obra e a conjuntura política fizeram o livro ser censurado. Em novembro de 1937, junto a outros livros considerados “subversivos” pelo regime, “Capitães da Areia” teve cerca de 800 exemplares queimados em praça pública, em Salvador.

Amado, que na época era membro do Partido Comunista Brasileiro, imprimiu em várias obras questões sociais antes de investir em romances regionalistas, como “Gabriela Cravo & Canela”. Seu posicionamento político-ideológico inclusive, o levou a ser perseguido e preso na época.

O livro relata de forma bem sincera a vida um grupo de crianças e jovens em situação de rua. O autor permeia aspectos sociais como a desigualdade social, a violência e luta de classes, e vai fundo no universo marginalizado da trama, e traz, inclusive aspectos da sexualidade dos personagens.

2. Meninos sem pátria, de Luiz Puntel

Clássico juvenil da Série Vaga-Lume e lançado em 1981, virou notícia em 2018, quando o colégio católico Santo Agostinho, um dos mais famosos e caros da cidade do Rio de Janeiro, vetou o livro por supostamente “doutrinar crianças com ideologia comunista” e “promover discurso esquerdopata” entre os alunos. A medida foi tomada por pressão de um grupo de pais.

A proibição gerou revolta. Em entrevista ao El País, o autor comentou sobre a sua surpresa: “Meu livro é sobre a ditadura, um fato histórico. Jamais imaginei que, em 2018, seria censurado.”

Na obra, Marcão e Ricardo são filhos de um jornalista que desaparece após ter o jornal invadido e a família receber ameaças. Com a ajuda de freiras, os garotos descobrem que o pai está na Bolívia e, assim, partem ao encontro dele, numa jornada que passa por vários países e mostra um pouco da vida de famílias exiladas.

O livro foi inspirado na história do jornalista José Maria Rabelo que, perseguido pela ditadura militar, foi obrigado a se exilar do país com a esposa e sete filhos por 16 anos. A obra está em sua 23ª edição, vendeu quase 1 milhão de exemplares, a maioria deles para uso didático em escolas.

3. Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Marçal Aquino

Em 2023, o romance do jornalista, escritor e roteirista foi retirado das leituras obrigatórias no vestibular da Universidade de Rio Verde (UniRV), de Goiás, por ser considerado impróprio para os alunos. A decisão, que foi publicada em nota, teve origem na declaração do deputado bolsonarista Gustavo Gayer (PL - GO), que a classificou como “pornográfica”.

A medida teve repercussão nacional e gerou repúdio de diversas instituições apoiadoras do livro, da Educação, editoras e associações Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). O autor criticou duramente a decisão da universidade. Em entrevista para o jornal O Globo, Aquino afirmou que o deputado não tem condições técnicas para avaliar o livro.

A história retrata o envolvimento do fotógrafo Cauby com Lavínia, mulher de um pastor evangélico que a tirou das ruas e das drogas. A trama acontece numa cidade do Pará e conta com personagens como garimpeiros, comerciantes inescrupulosos, prostitutas e assassinos de aluguel. Publicado em 2005, já ultrapassou a 20ª edição.

A obra foi adaptada para o cinema, teatro e traduzido para oito idiomas. O autor ganhou o Prêmio Jabuti e teve a obra lançada na Alemanha, Espanha, França, México, Portugal e Suíça.

4. Zero, de Ignácio de Loyola Brandão

Um dos romances mais importantes do autor paulista, foi publicado em 1974, na Itália, porque as editoras brasileiras se recusaram a lançá-lo. Quando foi publicado no Brasil em 1975, um ano depois, a censura da ditadura militar proibiu a circulação do livro por ser considerado “atentatório à moral e aos bons costumes”.

Segundo uma reportagem da Folha de S.Paulo, em 25 de janeiro de 1977, no governo do presidente Ernesto Geisel, a escritora Lygia Fagundes Telles entregou, no Ministério da Justiça em Brasília, o "Manifesto dos Intelectuais", um abaixo-assinado de mais de mil signatários contra a censura de obras, citando, inclusive, a repressão sofrida por “Zero”. Contou com a participação do historiador Hélio Silva e os escritores Nélida Piñon e Jefferson Ribeiro de Andrade. O livro foi liberado em 1979.

A obra foi construída a partir de fragmentos de matérias censuradas, que o autor colecionava do jornal Última Hora. Vanguardista, “Zero” visa retratar uma geração que vivia os “anos de chumbo”, como são conhecidos os anos de maior repressão da ditadura militar. A obra “explode” em sua expressão radiográfica que reúne distopia, cultura pop, novos hábitos consumistas e outros aspectos que permeavam a sociedade de então.

Possui uma estrutura peculiar, sem linearidade, com diversos elementos visuais e dividido em três partes. Na primeira, José, o protagonista, trabalha com livros censurados e frequenta um festival de aberrações num circo. Na segunda, torna-se ladrão após casar-se com Rosa. Na terceira e última, junta-se a um grupo de guerrilheiros.

5. A semente do Nicolau, de Chico Alencar

Em 2018, uma escola particular de Brasília excluiu da lista de materiais o livro infantil “A semente do Nicolau”.

A decisão foi tomada após cederem a pressão de pais de alunos, que pediram a proibição após descobrirem que o autor da obra é o então deputado federal Chico Alencar (PSOL – RJ).

Publicado no começo dos anos 1990, o livro é um conto de Natal. Na história, Lulu e Bié conhecem o velho Nicolau, que representa a figura tradicional do Papai Noel.

A publicação busca trabalhar aspectos como solidariedade, espírito natalino, respeito aos idosos e outros valores humanos.

O olho mais azul, de Toni MorrisonLançado em 1970, “O olho mais azul”, de Toni Morrison, é o quarto livro mais proibido nos EUA entre 2021 e 2022

6. Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez

Lançado em 1967 na Argentina, o romance é uma as obras mundialmente mais famosas do autor colombiano. O livro já foi acusado por grupos conservadores de “apelo sexual”, e foi censurada em países como a Rússia, a pedido da Igreja Ortodoxa e no Kuwait, graças a uma lei federal. Ambos os casos aconteceram há menos de 20 anos.

A obra também chegou a ser censurada na Colômbia nos anos 1980, mas após o autor vencer o Prêmio Nobel de Literatura, em 1982, o veto foi derrubado.

A obra conta a história dos Buendía-Iguarán, com Macondo, uma aldeia fundada por José Arcadio Buendía, como cenário. Além de trazer os elementos locais, a trama narra a trajetória da família durante várias gerações. A obra utiliza recursos como realismo mágico e trama de temas como corrupção, incesto, loucura e revoluções.

O livro é considerado uma obra prima do autor. Traduzido para cerca de 40 países, ultrapassou a marca de 50 milhões de exemplares vendidos.

7. Fahrenheit 451, de Ray Bradbury

Clássico distópico de 1953, o livro chegou a ser censurado em alguns países, sob a acusação de incentivo ao uso de drogas e à violência.

A ironia é que a obra conta a história do bombeiro Guy Montag, cuja profissão é atear fogo nos livros. Nessa sociedade autoritária, os livros são proibidos, e seus portadores são tratados como criminosos.

O protagonista nunca questionou o seu trabalho e vive uma rotina de pai de família. Em certo momento, conhece Clarisse, uma jovem alegre e de natureza contestadora. Ela desperta no rapaz uma visão crítica, e o faz refletir sobre a sua vida e a sociedade onde vive.

O livro foi escrito durante a era do macarthismo, uma política de censura do governo americano nos anos 1950 contra obras consideradas subversivas. O autor costumava dizer em entrevistas que a proibição de livros não era o principal motivo que o levou a criar a obra, mas sim que as pessoas estavam se desinteressando pela leitura por influência das novas mídias de então, como a televisão.

8. Meio sol amarelo, de Chimamanda Ngozi Adichie

Em 2022, o livro foi banido de escolas públicas em Hudsonville, no estado de Michigan, nos Estados Unidos. A obra fazia parte de uma espécie de clube do livro e era uma leitura opcional. Pais de alunos enviaram uma petição no qual classificavam a publicação como “pornográfica” e inadequada para os alunos.

Publicado em 2008, “Meio sol amarelo” é um romance épico que se passa durante a Guerra da Biafra ou Guerra Civil da Nigéria (1967-1970), um conflito causado pela tentativa de separação das províncias ao Sudeste daquele país.

O livro denuncia os contrastes do país africano no fim dos anos 1960, recém-independente da Inglaterra, e as feridas sócio-históricas que afetam a população.

A trama foca em um grupo de pessoas de diferentes camadas da sociedade, que tentam provar a si mesmas e ao mundo serem capazes de sobreviver em meio ao cenário caótico de conflitos. O livro foi vencedor do National Book Critics Circle Award e do Orange Prize de ficção 2007.

9. Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carol

Clássico da literatura infantil chegou a ser proibido na China em 1931. O motivo: o fato de animais usarem a mesma linguagem que humanos, o que os fariam ter o mesmo nível hierárquico, o que era considerado inaceitável na época.

Com o título original “As aventuras de Alice no País das Maravilhas”, foi escrito por Lewis Carroll, pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson, e foi publicado em 4 de julho de 1865.

Na trama Alice é uma menina sapeca e curiosa que, ao seguir um coelho, cai numa toca e vai parar num mundo fantástico, povoado por diversas criaturas como o Chapeleiro Louco, a Rainha de Copas, a Lagarta e o Gato de Cheshire. Lá, vive diversas aventuras.

Carroll criou a história em 4 de julho de 1862, enquanto o autor fazia um passeio de barco pelo rio Tâmisa, na Grã-Bretanha. Ele inventou a trama para entreter as filhas do amigo Henry George Liddel. Foi traduzido para mais de 170 línguas em todo o mundo, sendo um dos livros mais traduzidos da História.

10. O olho mais azul, de Toni Morisson

A obra foi vetada de escolas após pais de alunos acusaram a obra de “imoral” e que “incentivava atividades ilícitas e a pedofilia”.

O clássico da autora foi o quarto livro mais banido nas escolas norte-americanas entre 2021 e 2022, de acordo com um levantamento da ONG PEN América, que atua na defesa da liberdade de expressão.

Lançado em 1970, é o primeiro romance da autora norte-americana. A obra se passa numa cidade do estado norte-americano de Ohio nos anos 1940, e conta a história de Pecola Breedlove, uma menina negra que vive em uma sociedade preconceituosa e, por isso, deseja ter os olhos azuis como a das mulheres brancas.

Além de expor o racismo estrutural, a obra também denuncia abuso sexual e incesto. É um dos livros mais relevantes sobre autoestima, empoderamento feminino, classe social e raça da literatura mundial.

As obras abordadas acima são alguns exemplos de conteúdos que foram vítimas de tentativas de silenciamento, seja por interesses políticos, moralistas ou convicções religiosas.

O livro é uma ferramenta poderosa de conhecimento e, não à toa, há séculos, é vítima de censura e perseguições, em variados regimes políticos e sociedades.

Mas nem tudo está perdido. Desde quando eclodiu a primeira proibição de leitura, as vendas do livro de Jeferson Tenório aumentaram 6000%, conforme divulgado pela Veja. Professores publicaram fotos nas mídias sociais com alunos segurando exemplares de “O avesso da pele”, que costuma ser utilizado em escolas para a abordagem do racismo.

Isso é um exemplo que se, por um lado, existem forças que desejam controlar os livros, por outro, há uma sede de pessoas que sabem o seu valor e os defendem.

Com informações de: Revista Gama, Memórias da Ditadura, Michigan Advance, CNN Portugal, Livros & Fuxicos, BBC, Folha de S.Paulo

Fotos: (1) reprodução, (2) Divulgação

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