Obras trazem relatos, análises, reflexões e outras abordagens que ajudam a compreender porque milhões de pessoas em todo o planeta se encontram nessa situação — e como ajudá-los
Por Danilo Moreira
Imagina um cidadão comum, que tem a sua casa, família, trabalho, planos, mas precisa fugir e deixar tudo para trás por conta de conflitos armados, perseguições, calamidades naturais e outros problemas graves que assolam o território em que mora?
De acordo com a Acnur, Agência da ONU para Refugiados, em 2020, conflitos e perseguições obrigaram 82,4 milhões de pessoas em todo o mundo a abandonarem suas casas — sendo que 42% dessa população é composta por menores de 18 anos.
São pessoas que, por questão de sobrevivência, chegam a se deslocarem por milhares de quilômetros em busca de socorro, abrigo e segurança. Segundo a Acnur, mais de dois terços dessa população vêm de apenas cinco países: Síria, Venezuela, Afeganistão, Sudão do Sul e Mianmar.
Para contribuir com a reflexão sobre a importância desse assunto, que impacta a toda a humanidade, a Gênio Criador Editora compartilha a seguir uma seleção de livros com algumas abordagens voltadas ao tema.
São publicações que trazem relatos de quem sentiu na pele o que é estar na situação de refugiado, que narram os desafios e preconceitos com os quais as pessoas precisam enfrentar.
Também foram selecionadas obras com análises sobre as crises humanitárias, além de reflexões sobre como países que acolhem refugiados têm tratado o drama.
Exemplo de campo de refugiados – alguns possuem estruturas precárias
Conheça os livros a seguir:
1. Refugiados — O Grande Desafio Humanitário, de Gilberto M. A. Rodrigues
Nesse livro, Rodrigues, que é professor e coordenador de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, faz uma abordagem geral, mas precisa sobre a questão dos refugiados e os seus desafios.
Amparado por conceitos de Direito Internacional, o autor explica a definição de “refugiado”, além de contextualizar sobre como a ONU e diversos países, incluindo o Brasil, têm lidado com essa questão.
O livro não é extenso — tem 80 páginas — e possui imagens que, por si só, dão uma dimensão sobre a importância de discutir sobre o assunto, abrindo importantes reflexões na área de refúgio e migração forçada.
A obra foi lançada em 2019 pela Editora Moderna.
2. Estado Islâmico: desvendando o exército do terror, de Michael Weiss e Hassan Hassan
O crescimento do grupo extremista Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS) ganhou repercussão no mundo, especialmente pela força estratégica de suas operações, espalhando violência e caos pelo Oriente Médio.
Por meio da premissa que, para combater o terror, é preciso saber como ele funciona, nesse livro, o jornalista americano Michael Weiss e o analista sírio Hassan Hassan explicam a trajetória de expansão do grupo, quem são os protagonistas e de que forma atraem apoiadores em todo o mundo.
A obra contém relatos exclusivos de ex-oficiais militares norte-americanos e de atuais combatentes do grupo extremista, que enriquecem o conteúdo e ajudam a dar um melhor panorama sobre as características e seu modus operandi.
No Brasil, é possível encontrar a edição lançada em 2015 pela Editora Seoman, com tradução de Jorge Ritter.
3. Haiti, Depois do Inferno — Memórias de um repórter no maior terremoto do século, de Rodrigo Alvarez
Há um bom tempo, o Haiti já era conhecido por ser o país mais pobre das Américas. Em janeiro de 2010, um terremoto de sete graus na escala Ritcher agravou ainda mais a situação do local, além de fazer milhares de vítimas.
Na época, o correspondente da TV Globo, Rodrigo Alvarez, cobriu o caos que se instalou na região e transformou essa experiência em livro.
O autor relata o que viu durante os 12 dias que esteve em um país arrasado, com infraestrutura seriamente abalada, dificuldades de comunicação e mazelas históricas sociais agravadas.
Para entender melhor o contexto da situação do Haiti, o autor também traz alguns fatos históricos que configuraram o país e seus problemas sociais.
A obra foi publicada em 2012 pela Globo Livros.
4. Gostaríamos de informá-lo de que amanhã seremos mortos com nossas famílias, por Philip Gourevitch
O genocídio de Ruanda (1994) foi um dos episódios mais cruéis do século XX, comparado somente ao Holocausto de judeus sob o nazismo. Entre abril e julho de 1994, mais de um décimo da população de Ruanda, de minoria tutsi, foi exterminada pela maioria hutu, numa ação patrocinada pelo governo local.
Durante três anos, o jornalista norte-americano Philip Gourevitch imergiu na realidade do país africano e investigou sobre o contexto cultural, político, étnico e histórico em torno do massacre.
O livro é resultado dessa extensa pesquisa, na qual o jornalista ouviu centenas de pessoas, reconstituindo histórias de sobreviventes, assassinos e outros envolvidos. Fatores históricos como as tensões étnicas e a colonização belga também são abordados.
No Brasil, a versão mais disponível nas lojas é a lançada em 2006 pela Companhia de Bolso, do Grupo Companhia das Letras, com tradução de José Geraldo Couto.
5. O Homem que Queria Salvar o Mundo: uma biografia de Sergio Vieira de Mello, de Samantha Power
Como informa o subtítulo do livro, trata-se de uma biografia do diplomata brasileiro, que foi alto funcionário da ONU até 2003, quando faleceu no Iraque, vítima de um atentado.
Por meio da atuação do diplomata, o livro mostra um olhar sobre diversas crises humanitárias entre as décadas de 1970 e 2000 ocorridas principalmente na Ásia e África.
A trajetória de Mello traz exemplos de boas práticas diplomáticas, de relações internacionais e do próprio papel da ONU na mediação de conflitos que às vezes se arrastam por anos ou décadas.
O livro foi lançado em 2020 pela Companhia das Letras e chegou a virar filme, protagonizado por Wagner Moura.
6. Estranhos à nossa porta, de Zygmunt Bauman
Ao mesmo tempo em que cada vez mais refugiados tentam entrar em países europeus, existem muros sendo erguidos contra eles, enquanto parte das populações locais não sabe lidar com essa questão.
Nesse livro, o consagrado filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) disseca esse pânico gerado por esse movimento dos refugiados, causando um processo de desumanização. O autor também mostra de que forma políticos têm explorado esse temores e os efeitos em toda a sociedade local.
Refugiados se deslocam em condições precárias em busca de abrigo na Europa, mas nem sempre conseguem
Ao abordar sobre esses elementos, Bauman traça possíveis caminhos para transformar esses temores e trabalhar uma boa forma de convivência, solidariedade e respeito às diferenças.
No Brasil, o livro foi publicado em 2017 pela Editora Zahar, com tradução de Carlos Alberto Medeiros.
7. Eu Venho de Alepo, de Joude Jassouma e Laurence de Cambronne
Alepo é uma das cidades sírias mais atingidas pela guerra civil, que desde 2011 assola o país. Em 2015, Joude Jassouma era um jovem professor de francês que, para se proteger dos bombardeios, mudou várias vezes de residência com a família.
Mas os conflitos se agravaram e ele decidiu fugir do país com a família. Começa aí uma dura jornada que passa por Istambul (Turquia), campos de refugiados na ilha grega de Leros, até o litoral norte da França.
Por meio do livro, Jassouma compartilha a sua história, semelhante a milhões de conterrâneos sírios que também precisaram deixar o país, se arriscando com a família em condições desumanas, em busca por um local seguro para viverem com dignidade.
No Brasil, a obra foi publicada em 2017 pela Vestígio Editora, sendo traduzida por Fernando Scheibe.
8. É Isto um Homem?, de Primo Levi
Nesse livro, já considerado um clássico sobre o Holocausto, o escritor e químico italiano Primo Levi (1919-1987) dá seu testemunho de uma tragédia que vitimou milhões de judeus no século XX.
Em 1944, Levi foi deportado entre outros 650 judeus italianos para o campo de concentração de Auschwitz. No livro, ele relata a rotina desumanizadora que enfrentou durante 11 meses, quando ficou preso no local, sendo um dos poucos que sobreviveram desse grupo de deportados.
A obra foi escrita um ano depois de sua libertação, em 1946 e, nos anos 1950, alcançou repercussão mundial, sendo considerado um dos relatos mais preciosos sobre o martírio dos judeus deportados.
No Brasil, a versão mais recente é a comercializada pela Editora Rocco, com tradução de Luigi Del Re.
9. Longe de Casa: minha jornada e histórias de refugiadas pelo mundo, de Malala Yousafzai
Em 2012, a paquistanesa Malala Youzafzai foi baleada pelo regime Talibã quando voltava de ônibus da escola. Ela não só sobreviveu como se tornou uma das ativistas mais famosas do mundo, sendo a mais jovem ganhadora do Nobel da Paz.
Nessa obra, ela apresenta a história de nove garotas de várias partes do mundo que, assim como ela, tiveram que deixar para trás as comunidades onde viviam e buscarem abrigo em outros locais.
Ela também aborda sobre a sua trajetória, refletindo sobre a sua condição de migrante, primeiramente dentro de seu país e depois como ativista, podendo viajar pelo mundo todo, mas sem poder voltar a sua terra natal.
No Brasil, a obra foi publicada em 2019 pela Editora Seguinte, com tradução de Lígia Azevedo.
10. Valentes: histórias de pessoas refugiadas no Brasil, de Aryane Cararo e Duda Porto de Souza
Em um tempo cuja temática dos refugiados tem sido contaminada com preconceito, xenofobia e fake news, as jornalistas reuniram nesse livro diversas histórias de pessoas refugiadas no Brasil, vindas mais de 15 nacionalidades.
Durante três anos, as autoras acompanharam esses refugiados e suas dificuldades para se estabelecerem no Brasil, tais como problemas financeiros e perseguições baseadas em raça, religião, nacionalidade, orientação sexual, opinião política, entre outras características.
Para melhor entendimento da questão dos refugiados, o livro também apresenta dados, infográficos e conceitos sobre os principais conflitos geradores dos fluxos migratórios abordados.
A obra foi lançada em 2020 pela Editora Seguinte.
11. Muito Longe de Casa, de Ishmael Beah
Quais impactos a desumanidade de um conflito pode gerar nas crianças? Nessa obra autobiográfica, Ishmael Beah relata algumas das consequências que sofreu em Serra Leoa, sua terra natal.
Aos 12 anos, fugiu do ataque de rebeldes. Aos 13, acabou recrutado como menino-soldado pelo Exército do governo local e, mesmo com pouca idade, aprendeu a cometer diversas atrocidades.
O livro mostra uma história impactante, com um precioso relato de uma criança que cresceu em uma terra devastada, teve seus primeiros anos engolidos pelo ódio que movimenta a guerra, mas conseguiu sobreviver.
Embaixador da Unicef e engajado em diversas causas sociais, Beah mora nos Estados Unidos atualmente.
Seu livro foi lançado no Brasil em 2015 pela Companhia das Letras, traduzido por Cecilia Gianetti.
12. Maha Mamo — A luta de uma apátrida pelo direito de existir, de Maha Manmo e Darcio Oliveira
Segundo a Acnur, estima-se que mais de 10 milhões de pessoas no mundo são apátridas, ou seja, não possuem pátria por conta de algum tipo de impedimento. Por consequência, elas ficam sem direitos básicos assegurados a qualquer outro cidadão.
Maha Manmo, atualmente cidadã brasileira, foi apátrida por 30 anos. Filha de sírios, ela nasceu no Líbano, mas não tinha nacionalidade libanesa, pois uma lei naquele país apenas atribui esse direito a questões de sangue e não de terra natal.
Com apoio do jornalista Darcio Oliveira, nesse livro, Maha, que hoje é ativista, narra sua trajetória rumo à sonhada cidadania, desde os primeiros anos em Beirute (capital libanesa) a Belo Horizonte, onde chegou em 2014 com seus irmãos como refugiada.
A obra foi lançada em 2020 pela Globo Livros.
Dia Mundial do Refugiado
Crianças em campo de refugiados
Para reforçar a importância dessa questão, em 2000, a ONU estabeleceu a data de 20 de junho como o Dia Mundial do Refugiado, que passou a ser comemorada desde 2001.
Além de homenagear a luta de milhões de refugiados, a data também alerta para a importância de sociedades e governos refletirem sobre a responsabilidade, respeito e solidariedade com esses povos.
De acordo com a Acnur, o Brasil é um dos países que mais acolhem refugiados na América Latina. Em 2019, o país atingiu a marca de 31.966 pessoas reconhecidas como refugiadas pelo Estado brasileiro.
Existem diversos órgãos brasileiros que ajudam refugiados, recebem doações e parcerias como o Comitê Nacional para Refugiados (Conare), órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Cáritas Brasileira, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a própria Acnur, da ONU.
É importante lembrar que refugiados são pessoas, como eu e você, mas que foram privados de terem suas vidas nos locais que moravam (que talvez nem existam mais), obrigados a procurarem abrigo às vezes a milhares de quilômetros.
Esperamos que, por meio dessas indicações de livros, você possa conhecer mais sobre essa causa e, dentro das suas possibilidades, ajudar essas pessoas a recomeçarem as suas vidas ou, pelo menos, a se sentirem mais dignas no local onde escolheram viver.
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Com informações de: Acnur/ONU, Estante Virtual, Cáritas Brasileira, Lunetas, UNIBH, UFMG
Fotos: Ahmed Akacha/Pexels, Shinkiari/Pixabay, Geralt/Pixabay