Gênio Criador Editora

Mês da Consciência Negra: conheça 10 escritores negros brasileiros

Autores colecionam um importante legado de conhecimento, talento e resistência em um país ainda racista

Por Danilo Moreira

Infelizmente, a literatura brasileira ainda tem pouca representatividade negra, mas existem nomes consagrados que marcam presença e fazem história. No mês da Consciência Negra, a Gênio Criador Editora aborda sobre alguns dos mais importantes escritores negros brasileiros. São poetas, romancistas, contistas e cronistas que enfrentaram e/ou continuam a enfrentar preconceitos de sua época, e diante de tanta força transformadora, construíram um importante legado cultural e literário que até hoje inspira e empodera gerações. Grande parte desses autores e autoras abordam temas relacionados à representatividade e apresentam o cotidiano, os problemas sociais e históricos vivenciados pela população negra brasileira.

Selecionamos alguns dos grandes nomes de escritores negros brasileiros. Existem diversos outros autores e autoras construindo legiões de fãs e, a cada dia, enfrentando o preconceito, os problemas sociais e fazendo a diferença na sociedade. Confira nossa lista a seguir:


1. Machado de Assis

Machado-de-Assis

Foto: reprodução

Sim, o maior nome da literatura brasileira era negro, ainda que essa característica tenha sido ocultada durante anos por meio da representação da sua imagem como homem branco, principalmente em propagandas. Autodidata e de origem humilde, Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1808) nasceu no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro (RJ), e começou sua carreira publicando sonetos e folhetins em jornais cariocas, e além dos títulos famosos, também publicou diversos contos, poemas, peças de teatro e crônicas. Publicou seu primeiro livro em 1864, uma coletânea de poemas chamado Crisálidas. Já seu primeiro romance foi Ressurreição, lançado em 1872. Machado escreveu mais de 50 obras, como os famigerados títulos Memórias póstumas de Brás Cubas (1881, considerado o início do Realismo no Brasil), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908). Juntamente com o escritor José Veríssimo, fundou a Academia Brasileira de Letras, ocupando a presidência da instituição até o ano de sua morte. Machado também exerceu atividades em cargos públicos, como o Ministério da Agricultura, do Comércio e das Obras Públicas. Até hoje, boa parte de sua obra é leitura obrigatória nas escolas, vestibulares e concursos em todo o país.

2. Maria Firmina dos Reis

Maria-Firmino

Foto: reprodução

Nascida em São Luís do Maranhão, Maria Firmina dos Reis (1822 – 1917) é um exemplo de mulheres negras guerreiras que romperam barreiras, encararam estereótipos e enfrentaram preconceitos do seu tempo. Aos 22 anos, foi aprovada em um concurso público para trabalhar como professora na cadeira de instrução primária, sendo a primeira docente concursada do Estado. Pelas mãos de Maria também nasceu o que é considerado o primeiro romance abolicionista brasileiro e escrito por uma mulher negra brasileira, chamado Úrsula (1859). No auge da campanha pela abolição da escravatura, em 1887, a autora publicou A escrava, expondo sua postura antiescravista e revelando os horrores da escravidão. Outras obras publicadas foram Parnaso Maranhense (1861) e Cantos à beira-mar (1871), além de escrever poemas e artigos críticos para jornais maranhenses, e composições musicais como Hino à Libertação dos Escravos. Quando se aposentou da docência em 1880, fundou uma escola mista e gratuita no povoado de Maçaricó, em Guimarães (MA). O fato foi um escândalo para uma época em que meninos e meninas estudavam em locais separados, o que obrigou a docente a fechá-lo três anos depois. Morreu em 1917 em uma casa simples, pobre e com deficiência visual. Sua obra tornou-se esquecida por alguns anos, mas, felizmente, pesquisadores conseguiram resgatar a sua importância e divulgar os seus trabalhos.

3. Carolina Maria de Jesus

carolina_mariaFoto: divulgação/Audálio Dantas

Moradora da Favela do Canindé, em São Paulo (SP), Carolina Maria de Jesus (1914 – 1977) nasceu em Sacramento (MG) e veio para a capital paulista no período que as comunidades começavam a se expandir com mais frequência na cidade. Cursou apenas as primeiras séries do Ensino Básico, mas costumava utilizar diários para registrar diversos detalhes sobre o seu cotidiano difícil, marcado pela miséria, entre outras dificuldades enfrentadas por uma mulher negra, pobre e mãe daquela época. Em 1958 o jornalista Audálio Dantas foi à favela do Canindé escrever uma matéria sobre o local, que se expandia próximo ao Rio Tietê. O jornalista se encantou com a história de Carolina e publicou parte do material em 1958 em um jornal do grupo Folha de S. Paulo e em 1959 na revista O Cruzeiro, inclusive com uma versão em espanhol. Essas publicações projetaram Carolina como escritora, e em 1960, a autora lançou sua obra mais conhecida, Quarto de despejo, que contém parte dos relatos registrados em mais de 20 cadernos que possuía em casa. Atualmente, a obra já foi traduzida para 14 idiomas e vendida em mais de 40 países. Carolina publicou outros livros, como Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de fome (1963) e Provérbios (1963). A autora também possui duas obras póstumas, como Diário da Bitita (1982) e Meu estranho diário (1996). Hoje é considerada uma das principais escritoras negras do Brasil, e estudiosos organizaram o seu acervo, que além dos diários, também continham cadernos com poemas, contos, romances e até composições. Em maio de 2017, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) incluíram o livro Quarto de despejo como leitura obrigatória para os seus vestibulares.

4. Cruz e Sousa

cruz-e-sousaFoto: reprodução

João da Cruz e Sousa (1861 – 1898) era escritor e dono de um incrível repertório de conhecimento multidisciplinar. Nasceu em Florianópolis (SC) e também era conhecido como Dante Negro ou Cisne Negro. Filho de escravos alforriados, recebeu a tutela e uma educação erudita do marechal Guilherme Xavier de Sousa, seu ex-senhor e de quem inclusive adotou seu último sobrenome. Apaixonado por Letras, o autor começa a publicar seus versos em jornais provincianos em 1877 e fundou o jornal literário Colombo em 1881, em parceria com os escritores Virgílio Várzea e Santos Lostada. Estreou oficialmente na literatura em 1885, com o livro Tropas e fantasias, com coautoria Virgílio Várzea. Foi diretor do jornal abolicionista Tribuna Popular em 1881 e, dois anos mais tarde, foi nomeado promotor público da cidade de Laguna (SC), mas políticos locais não permitiram que exercesse o cargo pelo fato de ser negro. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1890 e trabalhou como arquivista na Central do Brasil. Cruz e Sousa imprimia em suas obras a musicalidade, individualismo, espiritualismo, obsessão pela cor branca e pessimismo influenciado por dramas pessoais como a perda prematura de seus quatro filhos com Tuberculose, e a doença mental de sua esposa, a poetisa Gavita Gonçalves, em decorrência dessas tragédias. Após lançar obras inspiradas no Parnasianismo, a partir de Broquéis (1893), rompe com esta escola literária e introduz o Simbolismo no Brasil. Outros livros de sua autoria são: Missal (1893) e Evocações (1898). Infelizmente, a doença que levou seus filhos também o vitimou em 1898, aos 36 anos, quando morava na cidade de Sítio (MG). Seus trabalhos ganharam grande reconhecimento postumamente, e foram reunidos em livros como Faróis (1900), Últimos sonetos (1905), Outras evocações (1961), O livro derradeiro (1961) e Dispersos (1961).

5. Joel Rufino dos Santos

joel-rufinoFoto: divulgação

Joel Rufino dos Santos (1941 – 2015) nasceu em Cascadura, subúrbio do Rio de Janeiro. Desde pequeno, Santos adorava ouvir as histórias da sua avó, as passagens da Bíblia; colecionava gibis, que lia escondido da mãe, e os livros que ganhava de seu pai. Mudou-se para o bairro da Glória e iniciou os estudos universitários no curso de História da antiga Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, onde foi professor de cursinho pré-vestibular. Anos depois, foi convidado pelo historiador Nelson Werneck Sodré para ser seu assistente no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), e lá teve contado com diversos pensadores, sendo inclusive um dos coautores da História Nova do Brasil (1963), livro considerado um marco na historiografia brasileira. O autor também se tornou referência no estudo da cultura africana no Brasil. Durante o período da ditadura militar, foi exilado por suas ideias contrárias ao regime e morou na Bolívia até 1973, quando regressou ao país. Suas principais obras são: Bichos da terra tão pequenos (2010), Claros sussurros de celestes ventos (2012); Crônica de indomáveis delírios (1991); Na rota dos tubarões (2008); Quatro dias de rebelião (2007); além de publicações acadêmicas. Além de já ter ganhado diversas edições do Prêmio Jabuti de Literatura, o mais importante do país, Santos também já trabalhou como colaborador nas minisséries Abolição (1988) e República (1989), de Walter Avancini, exibidas na TV Globo. Também exerceu cargos em órgãos públicos como o Tribunal de Justiça, em instituições sociais principalmente voltadas à população negra e projetos em conjunto com a UNESCO, sendo uma das personalidades mais importantes do país. Faleceu em 2015 na cidade onde nasceu, em decorrência de complicações de uma cirurgia, deixando um grande legado que serve de referência para estudiosos e novas gerações.

6. Conceição Evaristo

conceicao-evaristoFoto: reprodução/Facebook

A escritora mineira nasceu em 1946, em uma favela na zona sul de Belo Horizonte. Trabalhou como empregada doméstica e completou seus estudos secundários aos 25 anos. Mudou-se para o Rio de Janeiro (RJ) e passou em um concurso público para o magistério. Graduou-se em Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é mestra em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e atualmente é professora universitária na UFMG. Estreou sua carreira literária em 1990 com obras publicadas na antologia Cadernos Negros. Seu romance de estreia é Ponciá Vicêncio (2003) que foi traduzido para o inglês e publicado nos Estados Unidos cinco anos depois. Com obras que abordam a questão da discriminação racial, o preconceito e as diferenças de gênero e classe, também lançou outros trabalhos como o livro Poemas da recordação e outros movimentos (2008) e Insubmissas lágrimas de mulheres (2011). Conceição é militante do movimento negro e participa em diversos eventos relacionados.

7. Elisa Lucinda

Elisa-LucindaFoto: Divulgação/Facebook

Elisa Lucinda dos Campos Gomes nasceu em 1958 em Cariacica (ES). É considerada umas das personalidades que mais fomentam a poesia no Brasil. Publicou diversos livros, como A lua que menstrua (1992); O semelhante (1995); Euteamo (sic) e suas estreias (1999); A fúria da beleza (2006); A poesia do encontro (2008) em parceria com Rubem Alves e Fernando Pessoa; Fernando Pessoa: o cavaleiro de nada (2014). Elisa também é cantora e é conhecida pelos trabalhos em novelas da TV Globo e no cinema, pelo reconhecimento pela atuação no longa A última estação (2012), de Marcio Curi. Também atua em peças de teatro e realiza recitais em empresas e escolas em todo o Brasil, além de ter lançado um CD de poesias. Elisa realiza diversos trabalhos sociais como o projeto Palavra de Polícia e outras Armas, realizado em parceria com a Organização Internacional do Trabalho e que busca alinhar, por meio da poesia, o trabalho da polícia com princípios dos Direitos Humanos. Elisa também criou a Casa Poema, sede da Escola Lucinda de Poesia Viva, onde a poetisa ministra vários cursos de poesia falada, com unidades em São Paulo, Salvador e Brasília. Em sua página oficial no Facebook, a escritora comenta que seus livros deveriam ser vendidos em farmácias: “Livro é remédio.”.

8. Elizandra Souza

Elizandra-SouzaFoto: divulgação/Polifonia Periférica

Elizandra Souza nasceu em 1983 no Jardim Iporanga, bairro da periferia da zona sul de São Paulo. Morou dos dois aos 13 anos em Nova Soure (BA) e em 1996 voltou à capital paulista, onde conheceu o movimento hip hop e teve contato com vivências relacionadas à identidade e cultura negras. Em 2001, criou o Fanzine Mjiba (que quer dizer “jovem mulher revolucionária”, traduzida da língua chona do Zimbábue, país africano), que além de divulgar a cultura negra e hip hop, foi onde a escritora começou a publicar seus poemas. Desde 2004, Elizandra começou a participar de coletivos e jornais voltados à periferia, como o Becos e Vielas e a Cooperifa. Elizandra participou de cadernos de antologias como: Cadernos Negros, Sarau Elo da Corrente, Negrafias, entre outras diversas publicações. A escritora também publicou o livro Punga (2007), em parceria com Akins Kintê; e Águas da Cabaça (2012), com ilustrações de Salamanda Gonçalves e Renata Felinto. Formada em Jornalismo pelo Mackenzie, é editora do projeto Agenda Cultura da Periferia por meio da ONG Ação Educativa.

9. Mel Adún

Mel-AdunFoto: reprodução/Homo Literatus

Mel Adún nasceu em 1978 na cidade de Washington (EUA), local que seus pais escolheram para fugir da ditadura militar no Brasil. Moradora de Salvador (BA) desde 2001, iniciou na Literatura em 2007 ao produzir textos de diversos gêneros com foco na presença feminina negra na sociedade brasileira. Publicou o livro A lua cheia de vento (2015), além de participar da coletânea Ogum’s Toques Negros (2014), e de escrever poemas e contos na antologia Cadernos Negros, além de publicar histórias infantis para o Jornal A Tarde. Além de escritora, Mel também é jornalista, pesquisadora e assessora de imprensa e comunicação do Coletivo Ogum’s Toques, além de integrar outras associações educativas e culturais, como Escola Didá, Junça da Pedra Preta do Paraguassu e Movimento ERE-GÊGE.

10. Fátima Trinchão

Fatima-TrinchaoFoto: reprodução/Escritoras Negras

Nascida em Salvador, Fátima Trinchão formou-se em Letras na Universidade Católica de Salvador. Sua estreia na Literatura foi com a publicação do poema Contemplação de uma vida (1978), no Jornal A Tarde. Participou da antologia Hagorah (1984), da antologia Versos e Contos (2010), Versatilavra (2010), além de colaborar com três números da antologia Cadernos Negros com contos e poemas. No texto em prosa, publicou Contos, crônicas e artigos (2009) e Ecos do passado (2010). Suas obras focam em questões sociais relacionadas aos afrodescendentes, além de se inspirar em fatos vividos pelos povos africanos e descendentes brasileiros.

Existem diversos outros escritores negros brasileiros que continuam fazendo história, que além de darem voz aos problemas relacionados a essa população, engrossam o coro que torna a literatura brasileira mais representativa e menos desigual.

Com informações de: Homo Literatus, Ceert, Listas Literárias, Literatura Subversiva, Polifonia Periférica, Geledés

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