Festa é uma junção de diversas celebrações culturais antigas que foram absorvidas e modificadas pelo catolicismo
Por Danilo Moreira
Quando chega o mês de junho o Brasil se enche de arraiais, fogueiras, músicas, danças, bebidas quentes e quitutes deliciosos. São as famosas festas juninas que encantam e levam milhões de pessoas as diversos locais de encontro e diversão pelo país. Hoje o Gênio vai contar um pouco mais sobre as origens e curiosidades desta festividade.
Assim como outros eventos tradicionais e conhecidos dos nossos dias, as comemorações juninas também têm origem em celebrações relacionadas com as estações do ano, colheitas e homenagens a deuses. Na Antiguidade, civilizações como celtas, egípcios e gregos festejavam o início da colheita durante o verão (que no Hemisfério Norte acontece entre junho e agosto). Na mitologia romana, uma das deusas homenageadas era Juno, esposa de Júpiter, e por este motivo estas festas eram chamadas de “junônias”. Em 58 a.C., quando o imperador romano César conquistou a Gália (atual França), os bárbaros já comemoravam o solstício na região (momento em que o sol se afasta mais da Linha do Equador e incide com mais intensidade sobre um território – o que marca o verão) no dia 22 ou 23 de junho. A fogueira, tradicional nos arraiais, vem dessa época, já que os moradores do campo acreditavam que o fogo espantava os demônios da esterilidade, as estiagens e as pragas da lavoura.
No século VI, a Igreja Católica absorveu essas celebrações pagãs e transformou-as em uma festa católica, estabelecendo o dia 24 de julho como a data oficial para essas festividades e associando-as ao nascimento de São João Batista, o apóstolo que batizou Jesus Cristo. Por este motivo passaram a serem denominadas como “joaninas”.
Em entrevista ao Mundo Estranho, a antropóloga da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Lúcia Helena Rangel, afirma que os cultos à fertilidade foram reproduzidos até por volta do século X. “Como a igreja não conseguia combatê-los decidiu cristianizá-los, instituindo dias de homenagens aos três santos no mesmo mês", explica Lúcia. No século XIII, os portugueses passaram a incluir nas festas o dia do nascimento de Santo Antônio de Pádua (nascido em Portugal e morto na Itália em 13 de junho de 1195) e a morte de São Pedro no dia 29 do mesmo mês.
A tradição das festas juninas chegou ao Brasil por meio da colonização de Portugal por volta de 1583. De acordo com o site Brasileiros, os senhores de engenho organizavam os eventos e convidavam amigos e agregados. Com o tempo, as comemorações ganharam características populares e fundiram-se com as celebrações que os índios faziam nesta época relacionadas à agricultura, incluindo atividades como dançar e cantar em volta de fogueiras. Aos poucos, essas festividades passaram a ser realizadas em espaços públicos e ganharem elementos mais nacionais, como a inserção de alimentos como mandioca, milho, batata doce e canjica. O Nordeste, em especial, por meio dos padres jesuítas, absorveu a festa de São João em seu calendário popular de festividades.
As comemorações juninas ganharam novas características com a vinda da família real portuguesa em 1808 acompanhada de cerca de 15.000 aristocratas, que seguiam costumes e tendências importadas principalmente da França. A famosa quadrilha de São João tem origem na le quadrille praticada nos bailes nobres franceses. Os casais trocavam de pares em uma dança animada, o que se tornou sucesso entre a elite brasileira e foi posteriormente adotada em outros eventos como casamentos, batizados e festas religiosas. Não demorou muito para também ser praticada com adaptações em eventos populares, principalmente nas zonas rurais.
A miscigenação característica da população brasileira também fez com que a festa incorporasse diversos elementos de tradições indígenas e africanas. Os resultados foram diversas expressões artísticas pelo país, como as emboladas de coco, cirandas e movimentos culturais como o forró, o xote, xaxado, bailão e bumba-meu-boi. A região Nordeste do país se tornou o principal cenário das festas de São João, especialmente pela forte religiosidade presente no local.
Atualmente, as duas festas juninas mais famosas do país são as de Campina Grande (PB) e Caruaru (PE), que todos os anos atraem milhões de pessoas, além de contar com apresentações de artistas e movimentos culturais, tanto locais quanto de fama nacional e internacional. A vida caipira, as vestes tradicionais e diversas brincadeiras também estão presentes nestas celebrações, além de concursos de quadrilhas e feiras de artesanato. Já na região Sudeste, por exemplo, igrejas, colégios, empresas, clubes, sindicatos e movimentos culturais realizam as quermesses, que reúnem barraquinhas com comidas típicas e jogos para entreter os visitantes. No Brasil, as festas juninas são a segunda maior celebração popular, ficando apenas atrás do Carnaval.
Algumas curiosidades sobre as festas juninas
- Falar de festa junina é lembrar-se automaticamente do famoso quentão. Não existe consenso sobre a origem da bebida, mas acredita-se ter sido criada no interior de Minas Gerais e São Paulo, quando a população local adicionou especiarias à cachaça para aquecer o corpo durante o frio característico de junho. Existe também outra linha histórica que acredita na existência da bebida já nos primeiros séculos da colonização, os ingredientes que compõem a bebida vinham das iguarias que os portugueses traziam de países asiáticos. A canela, por exemplo, veio do Sri Lanka; o cravo-da-índia foi trazida da Indonésia e o gengibre – que dá o aroma característico – vem da China. Já no sul do Brasil, o quentão era a denominação para vinho quente trazido pelos imigrantes europeus que povoavam a região no começo do século XX.
- O hábito de soltar balões nas festas juninas foi trazido pelos portugueses. Eles acreditavam que dessa forma os pedidos dos homens chegariam até São João. Quando o balão caía, era sinal de que não seriam atendidos. Desde 1965 essa prática é considerada crime no Brasil por oferecer riscos ambientais e à segurança das pessoas.
- Conforme já abordamos, a quadrilha origina-se do le quadrille da França. Um exemplo disso são as palavras de origem francesa que costumam serem pronunciadas pelos puxadores da dança, como “anarriê”, que vem de en arrière (de volta); alavantú (en avant tous - todos para frente); e balancê (balançoire – balançar).
- Os vestidos feitos de chita e coloridos utilizados nas quadrilhas são inspirados nos vestidos rodados das damas nos antigos bailes da corte portuguesa no século XIX.
- As bandeirolas são outra marca registrada das festas juninas pelo país. Esses enfeites surgiram devido aos santos lembrados no período (São João, Santo Antônio e São Pedro). No ritual conhecido como a “lavagem dos santos”, as imagens dos três homenageados eram pregadas em bandeiras coloridas mergulhadas, colocadas em água. Após isso, de acordo com a crença, os fiéis poderiam purificar com ela. Com o tempo, as antigas bandeiras foram substituídas pelas atuais, que passaram a carregar a simbologia de purificação do ambiente.
- O casamento caipira surgiu como uma sátira aos casamentos tradicionais. A ideia é mostrar uma noiva que aparece grávida, e se pai obriga o futuro marido a se casar com ela, com o apoio do delegado da cidade. O noivo tenta fugir, mas é capturado. O casal então passa a puxar a quadrilha.
- De acordo com informações do site EBC, o eterno “Rei do Baião” Luiz Gonzaga é o recordista de arrecadação de direitos autorais no período que ocorrem as festas juninas. Suas composições embalam tradicionalmente diversas festividades pelo país, especialmente no Nordeste.
- Além do significado da fogueira nas celebrações pagãs que acabou sendo herdado pelas comemorações juninas, existe outra explicação da igreja católica para essa prática. João era primo de Jesus, e sua mãe prometeu à Maria que avisaria assim que ele nascesse. A forma encontrada para comunicá-la foi a de erguer um mastro em frente a sua casa e iluminando-o com uma fogueira. Durante as festividades, o mastro de São João tem a base redonda. Já a de Santo Antônio é quadrada, enquanto a de São Pedro possui o formato triangular.
As festas juninas são um exemplo de como as manifestações culturais modificam-se com o tempo, recebendo diversas influências locais e estrangeiras. O resultado é uma belíssima expressão de criatividade, e que todos os anos reúne milhões de pessoas, divulga trabalhos de diversos artistas e movimenta economias regionais.
Fonte: Super Interessante, Mega Curioso, Mundo Estranho, Brasil Escola, Brasileiros, Blog Bebida Express, EBC, Guia dos Curiosos, Terra
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