Objeto já foi apontado como a melhor invenção do século 20 em pesquisa realizada nos Estados Unidos pelo MIT, em 2003
Por Danilo Moreira
Ao contrário do que o senso comum imagina, a criatividade não envolve apenas robustas e sofisticadas inovações tecnológicas, mas também está presente em simples objetos que fazem parte do nosso dia a dia e são indispensáveis. Em janeiro de 2003, o Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, publicou um estudo curioso, na qual mil adultos e 400 adolescentes americanos opinaram sobre qual a maior invenção do século 20. Para quem esperava que fossem mencionar o computador, a internet ou o celular, itens cada vez mais indispensáveis para o nosso dia a dia, o resultado surpreendeu: a maioria, ou seja, 60% do primeiro grupo e 54% do segundo responderam que a escova de dente é o grande invento do século passado. Mas, afinal, como e quando este item tão essencial para a nossa saúde oral foi inventado?
Tudo pelo bom hálito
O cuidado com a higiene bucal vem muito antes desta invenção, apesar de inicialmente ser apenas uma precaução para evitar o mau hálito do que de fato a limpeza dental. Para o professor de História do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG) Rayner Gonçalves Sousa, a origem da preocupação com a higiene bucal não é exata. "Nós tentamos rastrear a gênese dos objetos, mas essa busca aponta que ele aparece em diversas civilizações ao mesmo tempo", afirma o historiador, em entrevista ao portal MSN.
Em 2014, arqueólogos encontraram uma espécie de “escova de dente” rústica em uma tumba egípcia de cinco mil anos, do tamanho de um lápis. “Era mais um ramo de planta que teve a sua extremidade toda desfiada até que as fibras funcionassem como cerdas”, explica a cirurgiã-dentista e pesquisadora Sandra Lipas Stuarbell, em entrevista ao Terra. A especialista conta que manuscritos mais antigos indicam que os povos já usavam folhas de árvores, penas, pequenas lascas de madeira e até as próprias mãos para limpar os dentes – caso dos assírios. Por volta de 3500 a.C, habitantes da Babilônia mascavam lascas de madeira para a higienização – as chamadas “varas de mascar”.
No século IV a.C., o médico grego Diocles de Caristo deixou um documento na qual receitava à população que esfregasse folhas de hortelã nos dentes, pois acreditava que o aroma ajudava na limpeza. Os romanos utilizavam uma mistura feita de areia, ervas, cinzas de ossos e dentes de animais. As camadas mais abastadas daquela sociedade contavam até com escravos encarregados da sua higienização dental. Na Europa da Idade Média, havia certo avanço no assunto. As pastas de dentes eram feitas com ervas aromáticas como a sálvia, além de hortelã e menta. Mas, curiosamente, a recomendação para eliminar o mau hálito era realizar bochechos com urina.
Em 1490, os chineses inventaram um instrumento com uma concepção mais próxima da escova de dente que conhecemos. O instrumento era composto por uma haste de bambu ou osso e um feixe de pelos de porco ou cavalo, que exerciam a função das cerdas. Segundo a pesquisadora Sandra Stuarbell, a ideia não deu certo pelo fato do objeto machucar a boca das pessoas e de deteriorar muito rápido, sofrendo o ataque de fungos e expondo a cavidade bucal ao risco de doenças e infeções. O instrumento também era muito caro até para quem tinha maior poder aquisitivo. E quando comprava, compartilhava o uso com os familiares – algo impensável para os dias atuais, não?
Concepção moderna
A primeira versão moderna conhecida da escova de dente surgiu por meio da criatividade de um prisioneiro britânico no século 18. No tempo que passou na cadeia, o comerciante William Addis guardou um pedaço de osso de frango servido na sua refeição diária. Em seguida, realizou pequenos furos em uma das pontas, arrumou cerdas de pelos de javali com um carcereiro e fixou-as com cola nos pequenos buracos, desenvolvendo a tecnologia-base do instrumento. Segundo o blog do professor Artur Reis, Addis se inspirou em uma vassoura para criar o objeto. Ao sair da prisão, aprimorou o invento e passou a utilizar crina de cavalo para as cerdas. Em 1780, fundou a empresa Wisdom, sendo responsável pela primeira produção em massa de escovas de dente que se tem notícia. A companhia existe até hoje e é especializada em produtos para higiene oral. Nos Estados Unidos, H. N. Wadsworth registrou a primeira patente de uma escova dental em 1857.
De acordo com o professor de História Gonçalves de Sousa, este período é marcado pelo advento da Revolução Industrial e pela filosofia iluminista, que apoia uma ideia de razão associada à expansão do capitalismo. A higiene bucal entra como um fator adicional a essas novas correntes de pensamento e torna-se um hábito. Consequentemente, novos instrumentos foram lançados no mercado e alguns se tornaram até objeto de ostentação. Reis e poderosos como Napoleão Bonaparte dispunham de escovas de dente feitas com ouro ou prata.
O moderno fio dental foi criado por Levi Spear Parmly, um dentista de Nova Orleans (EUA) em 1882. Ele desenvolveu fios de seda que podiam ser passados entre os dentes. Naquele ano, a empresa Codman and Shurtleft Company começou a fabricar o produto em larga escada. O produto foi patenteado em 1889 pela Johnson & Johnson, que até hoje mantém a fabricação. Em 1879, os médicos norte-americanos Joseph Lawrence e Jordan Lambert criaram o Listerine, considerado o primeiro enxaguante bucal tal qual conhecemos. Inicialmente, a composição era utilizada como antisséptico cirúrgico, anticaspa, loção pós-barba, desodorante e até para limpar o chão. Somente em 1895 a substância passou a ser recomendado para a higienização da boca.
Ainda nos Estados Unidos, o Dr. George A. Scott anunciava por volta de 1880 a criação da primeira escova de dente “elétrica” do mercado. Na verdade, o produto apenas continha uma haste de ferro magnetizada dentro do cabo. Essa composição carregava as cerdas com correntes eletromagnéticas que agiam sobre a gengiva, os nervos e a raiz dos dentes, fortalecendo a arcada dentária. Sua invenção recebeu honrarias da comunidade médica e membros do governo britânico. A primeira escova que realmente utilizava eletricidade foi inventada pelo Dr. Philippe-Guy Woog em 1954 na Suíça. O produto foi comercializado como Broxodent em 1956.
Século 20
Um marco na concepção das escovas de dente tal qual conhecemos hoje surgiu na década de 1930, com o desenvolvimento do náilon pela indústria química. O químico norte-americano da empresa DuPont, Wallace Hume Carothers desenvolveu cerdas com o material. "O importante era a existência de um material que fosse minimamente resistente e não fosse tão agressivo à saúde bucal", afirma Sousa. Em 1938, a empresa Weco desenvolveu nos Estados Unidos a primeira escova com cerdas de náilon, Dr. West’s Miracle Tuft Toothbrush.
De lá para cá, surgiram diversas versões, como as de cerdas macias (comercializada inicialmente nos anos 1950 pela Oral B), até às escovas inteligentes, como a apresentada pela Phillips neste ano. Batizado de Sonicare FlexCare Platinum Connected, o produto possui sensores que indicam se você está escovando os dentes corretamente e avisam sobre o desempenho. O usuário tem à disposição um mapa em 3D da sua boca capaz de apontar os locais que não foram escovados. O aparelho possui conexão Bluetooth e pode ser pareado com um tablet ou smartphone próximo que tenha um aplicativo instalado nestes dispositivos móveis. A inovação é atraente, mas, por enquanto, o preço é bem salgado: 200 dólares (cerca de 679 reais em conversão direta).
A criatividade humana está presente em todos os avanços individuais e coletivos da nossa História. Sejam ferramentas simples, conceitos e estilos de vida, tudo que utilizamos hoje surgiu da capacidade criadora do ser humano. A escova de dente é um exemplo deste extraordinário potencial que faz parte de todos nós. O produto revolucionou os cuidados com a saúde oral e hoje é um item necessário ou indispensável do nosso cotidiano.
Fontes: Terra (Saúde e Notícias), TecMundo, Revista PEGN