Autores e autoras revolucionaram diversas áreas do conhecimento com perspectivas que fogem da hegemonia da branquitude
Por Danilo Moreira
Felizmente, a produção intelectual negra tem ganhado cada vez mais visibilidade no país. São vozes que reconfiguram narrativas, denunciam injustiças, e trazem novas perspectivas para diversos campos do conhecimento.
Para contribuir com essa ampliação de horizontes, o blog da Gênio Criador Editora reuniu uma lista de dez intelectuais negros e negras com forte atuação no Brasil, cujas trajetórias e obras se tornaram fundamentais para quem deseja entender as dinâmicas da negritude, da resistência e da transformação social.
São autores e autoras que contribuíram em diversas áreas, indicados para educadores, pesquisadores, amantes da leitura ou para quem apenas busca aprofundamento sobre representatividade preta.
Veja a seguir o perfil de cada um destes pensadores e algumas de suas obras mais importantes.
1. SUELI CARNEIRO
Uma das mais renomadas acadêmicas brasileiras, Sueli Carneiro é filósofa, escritora e ativista antirracista. Por meio da Universidade de São Paulo (USP), é formada em Psicologia e doutora em Educação, na área de Filosofia da Educação.
Sueli é autora de mais de 150 artigos e 17 livros. Seu trabalho impactou o ativismo pelos direitos das mulheres negras no Brasil. Ela articulou estudos sobre racismo, gênero e classe, sendo pioneira no debate da interseccionalidade no Brasil. Além disso, foi a primeira mulher negra a receber o título de Doutora Honoris Causa da Universidade de Brasília, em 2022.
Ela também é fundadora do Geledés - Instituto da Mulher Negra, voltado à promoção de políticas públicas, ao protagonismo de mulheres negras e à discussão da negritude.
Exemplos de livros de Sueli Carneiro:
• Racismo, sexismo e democracia (2005)
• Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil (2011)
• Dispositivos de racialidade (2015)
2. ABDIAS NASCIMENTO
Um dos principais ativistas intelectuais negros brasileiros, Abdias Nascimento (1914-2011) foi um artista plástico, dramaturgo, escritor, político, parlamentar, sendo reconhecido por sua luta contra o racismo e pela valorização da cultura afro-brasileira.
Nascimento fundou o Teatro Experimental do Negro (TEM), em 1944, que formou a primeira geração de artistas negros do país, rompeu preconceitos no campo teatral, e impulsionou uma dramaturgia centrada na experiência e na cultura afro-brasileira. Além disso, também criou o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), projeto dedicado à memória e à cultura afro-brasileira.
Durante a ditadura militar, Abdias, exilado, lecionou em universidades e tornou-se uma voz global contra o racismo e pela autodeterminação dos povos negros.
Também foi deputado federal e senador, trabalhando por políticas públicas que enfrentassem desigualdades raciais.
Exemplos de livros de Abdias Nascimento:
• O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado (1978)
• Orixás: Os Deuses Vivos da África (1995)
• Abdias, Intérprete do Brasil: textos sobre raça e cultura brasileira de 1940 a 1990 (2025, textos reunidos por Túlio Custódio)
Sueli Carneiro, a primeira mulher negra a receber o título de doutora Honoris Causa da UnB, em 2022
3. LÉLIA GONZALEZ
Filósofa, antropóloga, professora e ativista negra, Lélia Gonzalez (1935-1994) desenvolveu reflexões pioneiras sobre raça, gênero, cultura afro-latina e a intersecção entre elas.
Foi ela que cunhou termos como “amefricanidade” (voltada à identidade latino-americana com influências dos povos africanos e indígenas), e “pretuguês” (influência das línguas africanas), para abordar a matriz afro-latina da cultura brasileira e desconstruir o mito da democracia racial.
Gonzalez também militou em diversas organizações e coletivos. Foi uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado (MNU) no Brasil, oficializado em 1978, além de ter atuado no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher de 1985 a 1989.
Lélia se formou em História e Filosofia pela UERJ, e fez mestrado em Comunicação Social e doutorado em Antropologia Política. Chefiou o departamento de Sociologia e Política da PUC do Rio de Janeiro, pesquisando sobre gênero e etnia.
Exemplos de livros de Lélia Gonzalez:
• Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira (1983)
• Dialética Negra (1988)
• Por um feminismo afro-latino-americano (2020, coletânea organizada por Flávia Rios e Márcia Lima)
4. KABENGELE MUNANGA
Nascido no Congo, Kabengele Munanga graduou-se em seu país e veio ao Brasil nos anos 1970 para cursar doutorado na Universidade de São Paulo. Após concluir seus estudos, retornou à instituição três anos mais tarde para integrar o corpo docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).
Sua produção acadêmica se destaca especialmente no campo da Antropologia afro-brasileira, área na qual é reconhecido como um dos pesquisadores mais influentes.
Sua obra discute com profundidade questões fundamentais para entender a construção social do Brasil, como o funcionamento do racismo estrutural, a ideia de democracia racial, a influência da mestiçagem na formação da identidade nacional e o conceito de negritude.
Exemplos de livros de Kabengele Munanga:
• Negritude: usos e sentidos (1986)
• Racismo: perspectivas para um estudo contextualizado da sociedade brasileira (1998)
• O negro no Brasil de hoje (2006)
5. AMAILTON MAGNO AZEVEDO
Pesquisador dedicado à compreensão das trajetórias e expressões culturais das populações negras no Brasil. Amailton atua como professor no Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Sua produção intelectual explora a música e as manifestações culturais negras em diferentes partes do mundo, especialmente no Brasil, em Cuba e na Nigéria. Azevedo entende que a arte, os ritmos e as tradições religiosas de matriz africana são importantes instrumentos de resistência, afirmação identitária e ação política.
Além da carreira acadêmica, também se dedica à música e lançou, em 2004, o disco “Mundo Atlântico”.
Exemplos de livros de Amailton Magno Azevedo:
• Sambas, Quintais e Arranha-Céus: as micro-Áfricas em São Paulo (2017)
• Ritmos Negros: Música, Arte e Cultura na Diáspora Negra (2021)
• Na Trama do Rap (2024)
6. DJAMILA RIBEIRO
Uma das vozes mais relevantes do feminismo negro contemporâneo no Brasil, Djamila Ribeiro é mestre em Filosofia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Sua atuação como pesquisadora, escritora, colunista e ativista ampliou a visibilidade de debates sobre o lugar de fala, as epistemologias negras e a representatividade.
Ela é autora de ensaios que dialogam com o feminismo, raça e classe. Um de seus livros, “Pequeno Manual Antirracista” (2020), foi sucesso de vendas, e recebeu o Prêmio Jabuti daquele ano na categoria Ciências Humanas. Ela também é editora da coleção “Feminismos Plurais”, que reúne autores e autoras negras para abordar temas contemporâneos sobre gênero e raça.
Desde 2022, Djamila é imortal, pois ocupa a cadeira nº 28 da Academia Paulista de Letras. Também é conselheira da Fundação Padre Anchieta, da Pinacoteca de São Paulo e do Fundo Patrimonial da USP. Além disso, é colunista da Folha de S. Paulo.
Exemplos de livros da Djamila Ribeiro:
• O que é lugar de fala? (2017)
• Quem tem medo do feminismo negro? (2018)
• Pequeno Manual Antirracista (2020)
7. CARLA AKOTIRENE
Pesquisadora, assistente social, escritora e colunista brasileira, Carla é graduada em Serviço Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Posteriormente, aprofundou suas pesquisas sobre interseccionalidade no mestrado em Estudos Feministas, também na mesma instituição. É uma das vozes mais influentes da nova geração de pesquisadoras e ativistas negras do Brasil.
Seu principal campo de investigação é a interseccionalidade, abordagem que analisa como diferentes formas de opressão recaem sobre as mulheres. Akotirene também é referência acadêmica nos estudos sobre racismo estrutural e gênero.
É fundadora da Opará Saberes, primeiro curso de extensão focado à capacitação de candidaturas negras ao mestrado e doutorado em universidades públicas.
Exemplos de livros de Carla Akotirene:
• O que é Interseccionalidade? (2018)
• Ó pa í, prezada (2019)
• É fragrante fojado dôtor vossa excelência (2023)
Abdias do Nascimento, um dos pioneiros na luta contra a discriminação racial
8. MILTON SANTOS
Um dos mais influentes geógrafos do mundo e um dos maiores intelectuais negros brasileiros, Milton Santos (1926–2001) formou-se em Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 1948, e fez doutorado na Universidade de Estrasburgo, na França, entre 1956 e 1958. Encontrou na Geografia seu campo de expressão intelectual.
Os estudos de Milton Santos inovaram na área de Geografia ao abordar temas como a importância e as influências do território para os seres humanos. Ele também desenvolveu uma abordagem inovadora sobre globalização, analisando como o capitalismo molda o espaço e aprofunda desigualdades.
Em 1994, recebeu o Prêmio Vautrin Lud, considerado o “Nobel da Geografia”. Seu pensamento permanece relevante para entender o Brasil e o mundo contemporâneo, sendo lembrado não apenas como geógrafo brilhante, mas como intelectual engajado na luta por justiça social.
Exemplos de livros de Milton Santos:
• A Cidade nos Países Subdesenvolvidos (1965)
• A Urbanização Brasileira (1993)
• Por uma Outra Globalização (2000)
9. ALZIRA RUFINO
Além de enfermeira, Alzira Rufino (1949–2023) foi uma premiada ativista e escritora, reconhecida como pioneira no enfrentamento da violência contra mulheres negras. Sua formação em Enfermagem aproximou-a das questões de saúde pública, e reforçou seu olhar para as desigualdades raciais e de gênero.
A atuação de Alzira combinava militância política, produção intelectual e trabalho comunitário, sendo uma das primeiras vozes a denunciar a negligência do Estado diante da violência doméstica sofrida por mulheres negras. Em 1990, fundou a Casa de Cultura da Mulher Negra, em Santos, uma das primeiras instituições do país voltadas à defesa dos direitos das mulheres negras.
Alzira faz parte da geração “quilombhoje”, grupo literário e movimento cultural formado no início da década de 1980, em São Paulo, por escritores afro-brasileiros, e comprometida em ser voz da e para a população afro-brasileira. Ao longo da vida, também escreveu poemas e artigos que refletiam sua experiência e suas batalhas.
Exemplos de livros de Alzira Rufino:
• Mulher negra, uma perspectiva histórica (1987)
• Violência contra a mulher – uma questão de saúde pública (1998 - organizadora)
• Alzira Rufino uma ativista feminegra (2008)
10. BEATRIZ NASCIMENTO
Sergipana de Aracaju, Beatriz Nascimento (1942–1995) atuou como historiadora, pesquisadora e ativista. Formou-se em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desde cedo, dedicou-se a compreender a construção da identidade negra no país.
Sua pesquisa se debruçou principalmente no estudo dos quilombos como espaços sociais vivos e não apenas vestígios do passado. Beatriz defendia que essas comunidades representavam formas de organização política e resistência negra. Também articulou debates sobre território, corpo e liberdade nas populações afrodescendentes.
Além da produção acadêmica, Beatriz participou de movimentos sociais que lutavam contra o racismo e pelo reconhecimento dos direitos das populações negras. Foi presença ativa em debates, conferências, coletivos intelectuais e documentários e programas de TV. Sua obra inspira estudos sobre quilombos, identidade e diáspora africana.
Exemplos de livros de Beatriz Nascimento:
• Por uma história do homem negro (1974)
• Kilombo e memória comunitária: um estudo de caso (1982)
• O conceito de quilombo e a resistência cultural negra (1985)
• Uma história feita por mãos negras – relações raciais, quilombos e movimentos (2021 – coletânea organizada por Alex Ratts)
Aqui apresentamos dez nomes, mas temos diversos outros pensadores, pesquisadores e intelectuais negros, como Conceição Evaristo, Luiz Gama, Carolina Maria de Jesus, Elisa Lucinda e Nei Lopes. Esperamos que essa lista apresentada aqui no blog seja o ponto de partida para você conhecer ainda mais.
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Com informações de: Instituto Singularidades, Catarinas, Estudar Fora, Toda Matéria, Ipeafro
Fotos: (1) Gerada por IA, (2) Divulgação/Matheus Alves, (3) Agência Brasil/reprodução
