Autora sul-mato-grossense conta em livro autobiográfico como superou a depressão e embarcou em um modo diferente de ver a vida — que ganhou asas por meio de seu projeto social
Por Danilo Moreira
Todos nós temos nossos desafios pessoais e medos — em maior ou menor grau. Mas, você já parou para pensar se a forma como costuma lidar com eles tem te trazido bons resultados? Será mesmo esse o caminho?
Aos 25 anos, Lígia Oizumi tinha seus pilares mentais abalados pela depressão. Após finalmente conseguir superar a doença, ela tomou decisões que mudaram radicalmente a sua forma de enxergar e vivenciar a vida, embarcando em uma intensa jornada de autoconhecimento e conquistas. Ela resolveu contar sobre essa experiência no livro Felicidade na prática — O que acontece quando seguimos a voz do coração, lançamento da Gênio Criador Editora.
Na obra, Lígia compartilha diversos aspectos da sua vida desde os primeiros anos na cidade natal, Campo Grande (MS). A autora também conta sobre o período da depressão, os preconceitos que sofreu e como enfrentou a doença. Após o tratamento, toma uma decisão radical: deixar para trás o conforto e a segurança de uma carreira consolidada no Brasil e ir morar no Japão, terra onde seu pai e avós nasceram.
A partir dessa mudança, ela teve contato com diversas culturas e filosofias, visitou e morou em outros países (como os EUA), e ressignificou a sua existência. Além disso, desenvolveu um projeto social com origamis (arte tradicional japonesa com dobraduras de papel) de tsuru — um pássaro sagrado que vive no Japão e representa paz, boa sorte, longevidade e saúde.
Em entrevista à Gênio Criador Editora, Lígia conta mais sobre as experiências que viveu e o processo de criação do livro. Veja a seguir:
GÊNIO CRIADOR EDITORA — O LIVRO ESTÁ SENDO LANÇADO NO MOMENTO EM QUE MUITAS PESSOAS SENTEM OS IMPACTOS DA PANDEMIA DE COVID-19 EM SUAS VIDAS E NA SAÚDE MENTAL. DE QUE FORMA ELE CONTRIBUI EM ESPECIAL PARA ESSES INDIVÍDUOS?
LÍGIA — A mensagem que trago no livro, e que acredito que possa contribuir para todos que estão sentindo os impactos do Covid-19, é que precisamos entender e, sobretudo, internalizar que as únicas coisas que temos controle na vida são os nossos pensamentos, ações e como reagimos diante do que acontece no mundo externo. Sempre foi assim, mesmo antes do vírus.
Atualmente, dependemos das autoridades e das equipes de pesquisadores para termos a vacina e o vírus poder ser controlado. O que nos resta é fazer a nossa parte nos protegendo para assim proteger o outro também.
Outro ponto importantíssimo que apresento no livro — e que me ajuda a manter minha sanidade mental independente das situações externas — é que os sofrimentos existem e sempre existirão. Diante da pandemia, estamos sendo colocados à prova e vivendo todas as fontes de sofrimentos possíveis.
Tudo isso desperta em nós emoções, e muitas vezes fortes e negativas. Mas quando conseguimos reconhecer essas negatividades e separar o que é real do imaginário, fruto de pensamentos inúteis e desnecessários, nos libertamos delas. Quando entendo que meu estado de humor, meu sentimento de raiva ou indignação não irão alterar os resultados dos fatos, pelo contrário, só trarão sensações ruins ao meu corpo e me trará infelicidade, nos libertamos das emoções negativas também e do sofrimento.
É importante entender que tudo é impermanente, e mais cedo ou mais tarde as coisas irão melhorar. Talvez não serão da forma como eram antes, porém a nossa felicidade depende da escolha que fazemos quando as situações e as pessoas não estão do jeito que queremos. A felicidade depende do tamanho do meu discernimento e aceitação da realidade. Diante da lucidez de que os sofrimentos fazem parte da vida e que a única coisa que temos controle é a forma como reagimos às adversidades, a gente se dá conta que não precisava ter sofrido tanto.
O QUE TE MOTIVOU A ESCREVER O LIVRO E COMO FOI REVISITAR SUA TRAJETÓRIA?
Na tentativa de ser perfeita, eu sofri muito na minha vida com autocobranças excessivas. Desperdiçava meu tempo com pensamentos inúteis e desnecessários, vivia em mundos imaginários de sofrimentos que eu mesmo criava. Esses comportamentos e hábitos desencadearam uma crise de ansiedade e depressão.
Quero ser útil e ajudar as pessoas a se prevenirem contra a depressão. E para quem vivencia essa dor, quero contribuir para que possa olhar essa fase como uma oportunidade de se reconhecer como ser humano, cuidando de si com carinho e total atenção, que possa enxergar uma nova forma de viver, criando seus próprios padrões de felicidade.
Lígia com o Monumento da Paz às Crianças ao fundo, em Hiroshima (Japão)
Reviver tudo que passei só me ajuda a reforçar os aprendizados que tive durante os momentos de dor. Escrever esse livro fez parte do meu processo de cura.
A DEPRESSÃO É UMA DOENÇA QUE AINDA É ALVO DE PRECONCEITOS. COM BASE NA SUA EXPERIÊNCIA, QUAIS DICAS VOCÊ DARIA PARA PESSOAS DEPRESSIVAS E AOS SEUS FAMILIARES?
Busque entender o que é o preconceito. Se pesquisarmos, veremos que ele envolve atitudes emocionalmente condicionadas, baseada em crenças, opiniões ou generalizações, determinando simpatia ou antipatia para com indivíduos ou grupos, e muitas vezes baseados na ignorância e falta de conhecimento das pessoas.
Diante do entendimento correto sobre o que é o preconceito, e também reconhecendo que a única coisa que está em nosso controle são nossos pensamentos e nossa atitude diante dos acontecimentos, eu recomendaria para as pessoas que sofrem qualquer tipo de preconceito a desenvolverem a compaixão pelo outro. Infelizmente, as pessoas que nutrem o preconceito não tiveram a oportunidade de estudar ou nunca viveram a experiência de estar do outro lado, então, nos resta fortalecermos nossa mente e desenvolvermos a compaixão pelos que ignoram.
Nesse caso, é como cobrar de um analfabeto saber ler e interpretar a mensagem de um livro. Cada um tem seu tempo de aprender e não cabe a nós tentar mudar ninguém, podemos sim influenciar, incentivar as pessoas a estudarem e se informarem.
ALÉM DA RESILIÊNCIA, O LIVRO MOSTRA UMA PESSOA QUE SE REINVENTOU. COM BASE NA SUA VIVÊNCIA, QUAIS ELEMENTOS VOCÊ ACHA ESSENCIAIS PARA AS PESSOAS QUE DESEJAM/PRECISAM SE REINVENTAR NA VIDA ATUALMENTE?
Coragem, paixão e disposição. É preciso querer com todas as forças se reinventar, fazer disso sua prioridade e não descansar até conseguir. É imprescindível ouvir e seguir seu coração, estando disposto a sair da zona de conforto. Devemos aceitar nossas imperfeições, com coragem de viver a vida por meio das nossas paixões e do nosso propósito e, principalmente, coragem para assumir e lidar com tudo que vem junto com essa paixão (inclusive as críticas e rejeições dos outros). Temos que ser espontâneos e autênticos, sendo nós mesmos, e termos a coragem de não depender da opinião dos outros para nada. Viver assim é muito mais leve e divertido.
NO LIVRO, VOCÊ MENCIONA SOBRE CONCEITOS E FILOSOFIAS COMO A BUDISTA, RAJA YOGA E IKIGAI. DE MODO GERAL, COMO ELES PODEM CONTRIBUIR PARA MELHORAR A VIDA DAS PESSOAS?
A Filosofia Budista nos dá um “chacoalhão” para a realidade. Dessa forma, passamos a ter mais discernimento e enxergamos os sofrimentos como fonte de aprendizado e evolução. A partir do momento em que você encara os sofrimentos e entende que tudo é impermanente, você para de sofrer e consegue sentir felicidade e gratidão por tudo. É como se você escolhesse trocar as lentes dos seus óculos: o que antes você enxergava como dor, passa a ser fonte de cura.
A Filosofia Raja Yoga ensina o caminho para você ser mestre da sua vida, te ensina a ser forte e inabalável diante de qualquer acontecimento. É como se você fosse “vacinado” contra o mundo externo, nada e nem ninguém consegue tirar sua paz interior. Você reaprende a pensar e inclusive reaprende a amar as pessoas.
Em visita ao Nepal com Monginhos que seguram tsurus
Já a Filosofia Ikigai te ensina o caminho para uma vida longa, feliz e com propósito. Ikigai é uma palavra japonesa que pode ser traduzida como sua razão de viver, o motivo que te faz acordar todas as manhãs. Quando você encontra seu propósito de vida e tem clareza dos hábitos que precisa ter para viver com qualidade de vida e equilíbrio, o sucesso e a felicidade são consequências naturais.
E o mais importante: para colher os benefícios dessas filosofias não é necessário muito investimento financeiro. O que é primordial é a pessoa ter sede por conhecimento e querer mudar para então viver sua felicidade na prática.
CONTE SOBRE O SEU PROJETO COM OS TSURUS. O QUE REPRESENTA PARA VOCÊ ATUAR COM ESSA ARTE E OS IMPACTOS QUE ELA PODE GERAR NA VIDA DAS PESSOAS?
O que me encanta no tsuru é o poder que ele tem de conseguir tirar um sorriso de uma pessoa quando ela recebe um de presente. Não é preciso muito para fazer uma pessoa se sentir especial, basta somente uma folha de papel e dedicação de tempo com amor.
Lígia segura um tsuru, arte que lhe trouxe novas motivações
O projeto Tsurus pela Paz nasceu com o objetivo de incentivar as pessoas a terem pensamentos positivos diante dos problemas da vida, resgatar sonhos e principalmente fazer com que o ser humano nunca duvide da sua capacidade de realização. É também um exercício para o sentimento de gratidão, que incentiva a educação pela cultura da paz e solidariedade.
Os impactos podem ser vistos tanto para as pessoas que dobram os tsurus, quanto para as que os recebem. Através de momentos de reflexão durante as oficinas de tsuru, os participantes aprendem que tudo na vida é construído passo a passo, com paciência, foco e determinação.
Durante as oficinas, eles refletem sobre seus sonhos, sobre como é possível pensar e agir positivamente diante dos problemas e fazer a diferença na vida do próximo através de pequenos gestos de carinho — cada vez mais raros nos dias de hoje.
Os tsurus são entregues aos pacientes de hospitais, asilos e pessoas vulneráveis emocionalmente ou que tenham passado por traumas, sempre com desejo de boa recuperação e com o incentivo de ter pensamentos positivos. Para quem o recebe, o tsuru age como uma semente de esperança e um gesto de carinho.
A autora ensina uma paciente a montar um tsuru em um hospital em Campo Grande (MS)
De acordo com a Bíblia, Paulo, na primeira epístola aos Coríntios, nos ensina que “a verdadeira caridade é a prática dos bons sentimentos”. E isso não requer altos investimentos em dinheiro, mas o seu tempo, paciência e amor ao próximo.
COM A PANDEMIA, COMO ESTÁ O PROJETO ATUALMENTE?
Como agora não podemos reunir pessoas para fazer oficinas e nem visitar hospitais para entregar os origamis, incentivamos as pessoas a dobrarem tsurus de forma on-line.
Recentemente, enviei os origamis para contribuir com um projeto de Los Angeles na Califórnia, em homenagem às vítimas do Covid-19 nos EUA. Uma artista plástica está pendurando tsurus em sua galeria como forma de homenagear milhares de pessoas que morreram por causa da pandemia.
O LIVRO TAMBÉM MOSTRA O VALOR DA EMPATIA E DE DOAR SEU TEMPO PARA CONTRIBUIR COM O PRÓXIMO, COMO FOI SEU CASO COM OS TSURUS. QUAL É A IMPORTÂNCIA DE PRATICAR SOLIDARIEDADE ESPECIALMENTE NOS DIAS ATUAIS, COM BASE NA SUA VIVÊNCIA?
As visitas que eu fazia aos pacientes dos hospitais curaram a minha alma de qualquer resquício da depressão. Com toda certeza, esse trabalho voluntário foi um dos fatores que muito me ajudou na manutenção da minha saúde mental.
Voluntariar disseminando a Cultura de Paz e praticando caridade moral trouxe significado para a minha vida, e sem dúvida nenhuma, a felicidade que eu via em cada rosto que eu encontrava em uma cama de hospital, ou atrás de um uniforme de presídio, enchiam meu coração de amor e me traziam as respostas que eu buscava desde os meus 13 anos. É a certeza de que a gente não nasce só para trabalhar, pagar as contas, comprar uma casa, um carro, pensar na aposentadoria e viajar para a praia, mas sim, para fazer a diferença na vida das pessoas, começando pela nossa.
Lígia abraça paciente em hospital de cidade Ramallah, cidade da Palestina
Fazer parte de um projeto social e ajudar o próximo de qualquer forma traz a você uma grande sensação de utilidade. A solidariedade permite que nos coloquemos no lugar do outro e levemos conforto material e/ou emocional para quem necessita. Nesse momento, eu compreendo que estamos a serviço de Deus, porém se você imagina que está fazendo bem só ao próximo, você se engana: a pessoa mais beneficiada é você.
COMO ESTÁ SENDO A EXPERIÊNCIA DE PUBLICAR UM LIVRO? PLANEJA ESCREVER OUTROS?
Foram dois anos para escrever esse livro e que tive que superar o resto de perfeccionismo que ainda restava em mim. Sem dúvida, é uma experiência transformadora. Entendi que não devemos esperar a inspiração vir para escrever, é preciso ter rotina e muitas vezes escrever mesmo julgando o texto estar horrível. Normalmente, eu ia preferir me expressar falando do que escrevendo, mas durante esses dois anos, aprendi a conversar mais comigo mesma, a ouvir ainda mais meu coração e a seguir meus instintos.
Lígia com seu marido, o lutador de jiu-jitsu Alex Oliveira, que conheceu em Nova York
Já tenho outra obra sendo finalizada. Inicialmente era uma carta que escrevi para o meu filho Luka, mas acabei transformando em livro. É algo que quero compartilhar com ele e às pessoas para se prevenirem contra a depressão.
E COMO ESTÁ SENDO A EXPERIÊNCIA DA MATERNIDADE?
Sempre me considerei uma pessoa com muita fé em Deus, mas depois de saber da gravidez, essa fé se fortaleceu e se tornou inabalável. Gerar uma vida é algo mágico, para mim é a prova que Deus existe. Me explique: quem dá os comandos para o bebê se desenvolver? Nosso corpo é formado por milhões de células, são muitos órgãos, muitos detalhes. Não existe um botão que controla o desenvolvimento de cada parte do corpo, não existe um sistema de controle de qualidade para verificar se tudo está indo bem e substituir alguma parte caso tenha defeito. Creio que tudo é feito de forma natural por meio das mãos de Deus. E nós mães só temos que confiar na obra divina.
A escritora curtindo a sua primeira gravidez
Ser mãe é conhecer realmente o que é amor incondicional, é você ficar feliz porque seu corpo inteiro dói, mas entender que as dores que sentimos são dores boas, porque nosso corpo está se transformando para gerar nosso bebê. Nesses nove meses de gravidez, pude sentir o que minha mãe sofreu para poder me trazer à vida, e o valor que sempre dei a ela e a todas as mães, se multiplicou infinitamente.
COMO FOI A EXPERIÊNCIA DE PUBLICAR SEU LIVRO PELA GÊNIO CRIADOR EDITORA?
Em uma palavra? Confiança. Desde o primeiro momento que conversei com a [Diretora Editorial] Cleusa Sakamoto senti uma grande afinidade com a profissional e com o ser humano do bem que ela demonstrou ser. Eu acredito em energia, e o Universo conspirou para que eu pudesse encontrar essa Editora. Deus, como sempre, enviou seus anjos para me apoiar. Foi um trabalho intenso de quase dois meses. Todos os prazos foram cumpridos e me senti muito respeitada em minhas sugestões. Além de toda paciência e carinho comigo enquanto autora de primeira viagem, me senti segura em estar diante de grandes profissionais que me ajudaram a tornar o meu sonho realidade.
DEIXE UM CONVITE AOS LEITORES PARA CONHECEREM O SEU LIVRO:
Deus me presenteou com a oportunidade de compartilhar minha história através de um livro. Cada palavra escrita foi vivida com muita intensidade, teve muita lágrima, dor e sofrimento nessa minha trajetória, mas toda dor se transformou em cura das minhas feridas e conflitos, como um diamante sendo lapidado e que me levou a viver a minha felicidade na prática.
É tempo de levantar a cabeça e criar coragem para seguir em frente, diante de qualquer adversidade que aconteça. A vida não para, você querendo ou não. Dito isso, te convido a ler meu livro Felicidade na Prática — O que acontece quando seguimos a voz do coração. Espero que ele possa te inspirar das melhores formas possíveis.
Hoje, você pode ler sobre as minhas experiências, quem sabe amanhã eu posso conhecer a sua história e aprender com você também?
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Fotos: Lígia Oizumi (acervo pessoal)