Catador vende livros que achou no lixo, enquanto pessoa em situação de rua lança poemas sobre seu cotidiano nas calçadas
Por Danilo Moreira
Além de ser um importante instrumento na Educação, no desenvolvimento humano e do potencial criativo, o livro também participa do cotidiano das pessoas de maneiras surpreendestes. Exemplo disso é o caso de Odilon Tavares, 55 anos, morador de Belo Horizonte (MG). Catador de itens recicláveis, o homem viu oportunidades em outra forma de sustento: vender livros em uma espécie de sebo. Ele decidiu investir nesse tipo de produto após perceber a quantidade de obras descartadas que encontrou pela cidade.
Tavares acorda todos os dias às 4 horas para percorrer as ruas da cidade em busca de materiais reciclados. Além de encontrar muito plástico e latinhas de alumínio, ele também encontra muitos livros. Em entrevista ao portal UOL, ele conta que já encontrou um exemplar novo de Harry Potter (famosa série da escritora britânica J.K. Rowling) e conseguiu vender por 20 reais.
Todos os dias, após recolher e vender materiais recicláveis, ele vai para a esquina da Rua Grão Mogol com a Avenida do Contorno, confluência dos bairros Savassi, Carmo e Cruzeiro, para comercializar seus livros. Tavares trabalha da hora do almoço até o anoitecer. Após encerrar o expediente, volta para casa — debaixo da marquise de um comercio de informática e papelaria.
Quando começou a vender obras, costumava oferecer 1 real por elas mas, com o tempo, aumentou o preço médio para 5 reais. Tavares costuma vender cerca de 100 livros por mês, o que lhe rende em torno dos 500 reais. Ele vende também para sebos, chegando a 50 unidades. Mas ele afirma preferir a venda individual.
"Não sei o valor dos livros. Não conheço. Mas, aqui na rua, o pessoal conversa com a gente e conta", comenta, em entrevista ao portal UOL. Segundo ele, a autora mais procurada na sua banca é a escritora norte-americana Nora Roberts, autora de mais de 200 best-sellers românticos.
Odilon é natural da cidade de Candaraí, há 135 quilômetros de Belo Horizonte. Estudou até a quarta série do Ensino Fundamental, morou em várias cidades e trabalhou como servente de pedreiro. Casou-se nos anos 2000 e teve duas filhas e quatro netos — todos moram em outro estado. Separou-se da esposa em outubro de 2017 pelo fato que "ela estava bebendo muito e fazendo besteira" — afirma. Ao deixar a mulher, saiu da casa que morava na Vila Cemig, na zona oeste da capital mineira, e passou a viver nas ruas.
Atualmente, possui um estoque de 800 livros — boa parte deles adquiridos da reciclagem. Segundo Tavares, não é difícil achar obras descartadas no lixo. "Encontro toda semana. Já peguei 50, cem livros de uma vez só", conta. Além de ver na venda dos livros usados uma forma de sustento e destinação correta, essa forma de obter renda também o fez ter mais apego aos livros. Ele conta que gosta de consumir principalmente livros de religião, administração e marketing.
Empolgado com a repercussão e com o sucesso do seu negócio, pensa em alugar um espaço para viver e montar o seu próprio sebo. "Os livros mudam a gente. Mudei muito a cabeça e minha maneira de pensar.”
Poesia na velha calçada
Já Gilberto Camporez tem 29 anos e vive há 13 na calçada do Largo São Francisco, no Centro de São Paulo (SP), local onde fica a tradicional Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). O rapaz vive uma fase especial em sua vida: publicou, no dia 16 de março deste ano, o seu primeiro livro, intitulado “Velha Calçada”, obra com 25 poesias, que retratam a sua trajetória nas ruas da região.
Foi ali mesmo que, em 2015, em uma festa universitária, ele fez amizade com alguns alunos da instituição, que ao saberem que ele escrevia poesias, o convidaram para declamar uma delas durante um recital que acontecia no evento. “Eu estava todo sujo, de chinelo e pensei: logo eu, recitar uma poesia em um lugar tão bacana”, conta, em entrevista ao G1. Ele complementa que, ao terminar de recitar o último verso, ouviu diversos aplausos.
Empolgados com o talento do rapaz, 20 estudantes decidiram investir em um projeto para que o escritor publicasse um livro. O grupo arrecadou dinheiro, editou a publicação e produziu o lançamento da obra no auditório do local. O objetivo inicial era vender pelo menos 500 exemplares e camisetas com alguns versos da obra, para que o rapaz pudesse conseguir verba para pagar um aluguel e sair das ruas.
Camporez nasceu no interior de São Paulo, quando aos 17 anos decidiu deixar tudo para trás e morar na capital em busca de oportunidades de crescimento. Chegou a morar nas ruas em diversos momentos, ocupou diversos empregos como faxineiro e ajudante de cozinha, chegando a ter uma boa renda fixa. Casou-se, teve um filho (que atualmente mora com a avó paterna), separou-se há quatro anos e, desde então, voltou a morar definitivamente nas calçadas do Centro.
Seus primeiros contatos com a produção literária foram para lidar com os problemas pessoais e enfrentar o cotidiano de quem vive nas ruas. O escritor conta que chegou a ser preso indevidamente duas vezes e teve seus pertences levados, incluindo cadernos com suas criações — materiais nunca recuperados.
Agora, sendo autor de um livro oficialmente publicado, o Camporez acredita que este é um importante recomeço. Com as vendas, o escritor já deixou as ruas e mora atualmente em um apartamento na periferia da cidade. Cheio de sonhos, planeja empreender em uma fábrica de bolos, além de publicar mais livros, dentre eles, uma biografia, que ele gostaria de ver um dia se tornar filme. “Eu sofri muito, mas eu sempre começo de novo. Conheci muitas pessoas que me ajudaram a não desistir.”
Os casos que abordamos são dois exemplos de como o livro pode fazer a diferença para as pessoas e ajudá-las nas suas conquistas, principalmente que as que vivem em situação de vulnerabilidade social. Além disso, vemos a inventividade dos cidadãos nos grandes centros urbanos e a sensibilidade de gente de outras realidades, como o grupo de alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que mostraram que não se aprende a ser generoso nos livros, mas por meio deles é possível propagar boas ações, inspirando leitores dos mais diversos perfis.
Tudo isso mostra o tamanho do papel transformador dos livros e a revolução que a sociedade pode ter. Todos ganham!
Com informações de: UOL, Razões para Acreditar, G1, EFE
Fotos: 1 (Alexandre Rezende/UOL); 2 (Celso Tavares/G1); 3 (Gilberto Camporez/Facebook)