Casa lotérica cheia. Prêmio de mais de 35 milhões de reais. Um sujeito gaiato que passava pelo outro lado da rua, gritou para um amigo ou um conhecido que estava na fila: “Procurando a vida boa, hein? ”.
Não é só o sujeito que está na fila da lotérica que procura a vida boa. Parece que desde muito tempo nós, seres humanos que lutamos sob o sol e a lua, nos preocupamos com uma vida melhor para nós e para as pessoas com quem partilhamos a vida. Há até quem lute por um mundo melhor, ou ainda por felicidade para todos os seres. Nisso parece que há uma certa concordância. Mas, a coisa fica bem complicada quando os humanos começamos a explicar o que é essa tal de vida boa.
O imaginário de uma vida boa tropical desenha uma rede armada numa sombra, água de coco, pés descalços na areia... A música “Tarde em Itapuã”, de Vinícius e Toquinho faz a mente viajar e descansar.... Manuel Bandeira, o poeta, pôs em Pasárgada o lugar onde as fantasias se realizam, o recinto para onde escapar diante das agruras. O humano urbano faz canções louvando a vida do campo, que um dia deixou em busca de melhor situação na cidade grande...Fogão a lenha, casinha inocente no sertão...
A vida boa também é descrita como boa comida, vinho ou alguma bebida fina, cama bastante confortável, companhia agradável, aconchego. Há também quem associe a vida boa a velocidade, aventura, descoberta, conhecimento.
Entretanto, a tal vida boa parece uma miragem, que desaparece à medida que nos aproximamos. Por vezes o executivo extenuado inveja o necessitado que parece não ter preocupação alguma... O peso de manter as conquistas feitas, a carga de manter certo papel social tornam o que antes era sonho em pesadelo.
Não sem suas razões, há quem diga que a vida boa tem pouco a ver com a “boa vida” de ter tudo com facilidade, desobrigado do esforço e do trabalho. Sustentam que a sensação de realização, de contentamento existencial tem mais a ver com o modo de considerar o mundo, de ver as coisas. A quem tem fome, o alimento é sinônimo de vida boa. E, de fato, é difícil pensar em alegria, contentamento quando se está com fome. Mas logo que o problema da fome se resolve, novas carências desabrocham e se tornam requisito para a realização e logo que estes requisitos são cumpridos, outras lacunas aparecem, no corpo ou na alma.
Raul Seixas na canção Ouro de Tolo expressa o desencanto no qual pode entrar alguém que conquista aquilo que seria a fonte de suas realizações: ser um cidadão respeitável, receber quantia grande de dinheiro... Tudo isso, que parece ser fonte de contentamento absoluto para quem está em situação de carência, logo que é conquistado revela a incompletude.
A vida boa está sempre por construir. Talvez por isso a vida seja boa.
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Claudiano Avelino dos Santos
mestre (PUC-SP) e doutorando (UNIFESP) em filosofia antiga.
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