Moacir Ferreira Filho lança livro ‘Justiça e Religião: de São Tomás de Aquino aos dias de hoje’

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Em entrevista à Gênio Criador Editora, autor conta mais sobre a obra, que analisa a contribuição do Doutor Angélico para as Ciências da Religião

Por Danilo Moreira

Muito do que vivemos e pensamos hoje é conectado com mentalidades pioneiras de séculos remotos. Isso também passa pelas noções de virtude, justiça e religião.

Um desses pensadores foi São Tomás de Aquino (1225-1274). O “Doutor Angélico”, como é conhecido, foi um frei católico, filósofo e teólogo italiano, canonizado pelo Papa João XXII em 1323.

Sua obra deixou um grande legado para diversas áreas como a Teologia e a Filosofia, despertando até hoje o fascínio de estudiosos, religiosos e simpatizantes.

O professor de Filosofia Moacir Ferreira Filho também é um admirador do trabalho de Aquino e já o estuda há alguns anos.

Agora, o especialista lança pela Gênio Criador Editora o livro Justiça e Religião: de São Tomás de Aquino aos dias de hoje, resultado da sua pesquisa para a pós-graduação em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp).

A publicação traz abordagens do conceito de religião e justiça a partir do século XIII, tendo como base a obra de Tomás de Aquino.

Ferreira Filho percorre a trajetória epistemológica utilizada pelo Doutor Angélico para explicar o conceito de virtude, vício, hábito, religião, justiça, entre outros elementos relacionados.

Ainda que estivesse ligado a uma religião, Aquino procurou estudar os atos do homem analisando a essência humana. A religiosidade entra aqui não como uma instituição, mas como virtude, uma predisposição natural.

Livro Justiça e Religião

Além de analisar trechos da “Suma Teológica” (livro que reúne escritos de Aquino), Ferreira Filho também compara esses conceitos com outros autores e os contextualiza para os dias atuais.

O autor conversou com a Gênio Criador Editora e contou mais sobre os conceitos abordados no livro, o processo de produção, os obstáculos que enfrentou e outras curiosidades. Confira a seguir:

GÊNIO CRIADOR EDITORA — DE MODO GERAL, COMO A OBRA CONTRIBUI PARA ENTENDER A RELAÇÃO ENTRE JUSTIÇA E RELIGIÃO?

MOACIR — O livro colabora para compreendermos a relação entre justiça e religião a partir do século XIII, tendo como referência as obras de Tomás de Aquino.

A relação entre religião e justiça se dá pelo fato de o Doutor Angélico tratar esses dois conceitos como virtudes (hábitos bons), sendo que a religião, para ele, é uma virtude anexa à justiça, isto é, a grosso modo, que a religião é uma parte da justiça.

Em certos momentos do livro, eu também falo sobre o que alguns chamam de “início da religião” ou indícios do começo da religião na humanidade, bem como o modo pelo qual o fenômeno religioso é visto nos dias atuais.

Esses foram apenas alguns exemplos, mas o leitor irá encontrar muito mais considerações no livro.

E O QUE TE LEVOU A FAZER ESSE ESTUDO?

Ele foi motivado pela continuação da minha pesquisa da primeira graduação, na qual eu já havia trabalhado com a obra de Aquino. Dessa forma, acabei me deparando com temas acerca da justiça e construção de leis.

Tendo entrado no programa de pós-graduação em Ciências da Religião e diante de tantas tentativas de se definir o conceito de religião, recorri novamente à obra de Tomás de Aquino.

Descobri que o significado que ele dá a essa palavra, tão usada e pouco definida, é totalmente original e que, inclusive, alguns autores contemporâneos se utilizam da obra de Tomás e suas fontes sem citá-lo devidamente.

Esse fato ocorre por conta de alguns autores considerarem o fruto dos estudos medievais como ultrapassados e superados para o nosso século. Contudo, cada vez mais se nota que essas análises respondem questões contemporâneas.

COM QUAIS DESAFIOS VOCÊ LIDOU PARA FAZER ESSE ESTUDO?

Quando se trata de uma pesquisa, o principal desafio é o tempo. Quem dera se um pesquisador no Brasil pudesse focar somente nessa atividade. Infelizmente, ele tem que se dedicar bastante aos estudos (que já é uma tarefa árdua) e ao trabalho para garantir a subsistência.

Também tem que lidar com o cansaço e tentar garantir a saúde mental equilibrada. Eu diria que esses são os maiores desafios do ponto de vista das cobranças externas.

Já se tratando da pesquisa em si, o desafio é o próprio texto de Tomás de Aquino que não costuma ser fácil. Uma leitura desatenta, uma vírgula a mais ou a menos podem alterar toda a compreensão da obra.

É também um desafio, do ponto de vista acadêmico, a tentativa de trazer autores medievais para o debate filosófico contemporâneo.

DURANTE ESSE PROCESSO, O QUE MAIS TE SURPREENDEU EM RELAÇÃO A TOMÁS DE AQUINO?

É como um professor na banca de mestrado me disse: “você é encantado por Tomás de Aquino”. E assumo que sou mesmo. Sinto esse fascínio por ele desde a graduação em Filosofia, devido ao modo pelo qual ele me foi apresentado.

Lá, o professor Pedro Monticelli, a quem tenho muita gratidão, ministrava as aulas com muita propriedade e, por se tratar de um texto de absorção não muito fácil, acabou me chamando a atenção.

Depois, por iniciativa própria, me aprofundei na história e nos textos do autor. Seu raciocínio e o modo como escrevia eram extraordinários. Do ponto de vista do conhecimento, interpretação e domínio de conteúdo, ele era alguém à frente de seu tempo.

Isso se confirma nas biografias dele, nas quais os autores destacam que ele chamava atenção pelo modo como lidava com questões objetos de debate entre os pensadores da época, sua didática e assim por diante.

Tomás morreu relativamente novo se comparado à expectativa de vida de nossos tempos e, mesmo assim, conseguiu alcançar grandes feitos e enorme relevância.

BASICAMENTE, O DOUTOR ANGÉLICO ELENCA SETE VIRTUDES (OS "BONS HÁBITOS"): TRÊS TEOLOGAIS (FÉ, ESPERANÇA E CARIDADE) E QUATRO CARDEAIS (CORAGEM, TEMPERANÇA, JUSTIÇA E PRUDÊNCIA). DE QUE FORMA ESSA VISÃO DE VIRTUDE ESTÁ PRESENTE NOS DIAS ATUAIS?

Do ponto de vista da Filosofia de Aquino, essas virtudes estão presentes em todos os seres humanos, mesmo naqueles que não sabem a sua definição, mas somente o fato de ser humano e agir (para o bem ou mal) já o faz dotado de virtudes (hábitos bons) ou vícios (hábitos ruins).

Por exemplo, uma pessoa que costuma ajudar os outros exercita a virtude da caridade, mesmo não sabendo o que é "virtude" ou a definição de "caridade". Se ela possui um hábito bom, é virtuosa.

O contrário também é verdadeiro, ou seja, mesmo que alguém não saiba a definição do conceito “vício”, mas possui um hábito ruim, ele é um ser viciado.

As virtudes e os vícios estão presentes em todos os seres humanos, não só em nossos tempos atuais, mas em qualquer época.

A diferença é que, como trato no livro, alguns tem mais e outros menos justamente pela frequência ou ausência de prática.

MESMO BASTANTE INTERLIGADO A UMA INSTITUIÇÃO RELIGIOSA DOMINANTE NA IDADE MÉDIA (IGREJA CATÓLICA), AQUINO PARECE TRAZER UMA VERSÃO UNIVERSALIZADORA DO SER HUMANO, PROCURANDO ENTENDER SEUS ATOS POR MEIO DA CONCEITUAÇÃO DOS HÁBITOS, VÍCIOS ("MAUS HÁBITOS") E VIRTUDES ("BONS HÁBITOS"). DE QUE FORMA A RELIGIÃO ESTÁ INSERIDA NESSE CONTEXTO?

Obviamente, quem lê Tomás e conhece seu contexto, concluirá que ele está escrevendo principalmente para as pessoas de seu século (XIII) e adeptos do cristianismo católico, que era o pensamento hegemônico da época.

Ademais, muitos comentadores destacam exatamente a tentativa de universalizar as teses tomistas e aplicá-las em outras épocas, afinal, embora em tempos diferentes, a natureza humana permanece a mesma.

Nesse contexto das virtudes, a religião não se refere a um sentimento ou a uma instituição, mas a um hábito bom e derivado de outro: o da justiça.

Tomás trata de religião como uma virtude anexa à justiça, que consiste em buscar dar a Deus aquilo que lhe é devido.

Por muitas vezes, encontramos com pessoas que dizem “poxa, preciso rezar mais, pois aconteceram algumas coisas boas em minha vida e preciso ir agradecer a Deus.”

Algumas são movidas a ajudar mais pessoas ou instituições religiosas em forma de gratidão ou retribuição a Deus.

Seja qual for a religião, nessa tentativa de visão universal, pode-se dizer que ela consiste em uma tentativa de retribuir ao sagrado aquilo que lhe é devido.

Observando algumas religiões, percebemos que alguns atos são comuns entre elas, como o ato de fazer ofertas.

Tomás de AquinoSão Tomás de Aquino, o "Doutor Angélico"

NO LIVRO, A JUSTIÇA É EMPREGADA NÃO SÓ COMO A INSTITUIÇÃO REGULADORA DAS LEIS QUE CONHECEMOS, MAS COMO UMA VIRTUDE HUMANA. SÉCULOS DEPOIS, COMO ESSA VISÃO AINDA INFLUENCIA O CONCEITO DE JUSTIÇA COMO CONHECEMOS?

Na verdade, do ponto de vista das virtudes, a religião não influencia a justiça, mas, como já dito, é uma parte dela.

Enquanto do ponto de vista geral, a justiça consiste em dar a cada um o que lhe convém, a religião consiste em tentar dar a Deus o que lhe é devido.

Por outro lado, podemos considerar a justiça e a religião enquanto instituições. Nesse caso sim, a religião influencia a justiça no que se refere, por exemplo, a produção de leis ou ao modo como elas são aplicadas.

Nota-se que as primeiras civilizações surgiram e cresceram em torno da religião. Foi exatamente através das leis religiosas é que puderam produzir um corpo legislativo universal, com a tentativa de regular as relações humanas.

Isso tanto é verdade que os magistrados deveriam ser adeptos à religião da cidade, caso contrário, não seriam dignos de serem operadores do Direito.

QUAL É A IMPORTÂNCIA DAS VIRTUDES EXPLANADAS POR SÃO TOMÁS DE AQUINO PARA AS PRÁTICAS RELIGIOSAS NOS DIAS ATUAIS?

É importante no que se refere a uma observação efetiva de um sujeito em relação a sua conduta ética no cotidiano. Ela pode também envolver os atos religiosos.

Quando o Doutor Angélico propõe que, para se obter uma determinada virtude, é necessário praticar seus atos com frequência, ele indica que devemos observar nossos costumes diários de modo que, sendo bons, se tornam virtudes, mas caso sejam ruins, podem se tornar vícios.

A exposição tomista não só é relevante para os atos religiosos, mas também para os atos entre as pessoas que vivem em sociedade para que vivam em harmonia, de maneira justa.

NA SUA OPINIÃO, QUAIS REFLEXÕES O LIVRO PODE CONTRIBUIR PARA ESTE TEMPO DE PANDEMIA?

Em tempos tão difíceis como este pandêmico no qual estamos vivendo, o livro pode auxiliar justamente nas relações humanas e num exame de consciência sobre de si mesmo em relação a sua conduta e o modo como vivemos em sociedade.

Quando nos colocamos em isolamento, muitos são obrigados a passar mais tempo com quem mora, ou seja, aquela pessoa que se costumava ver apenas de manhã ou a noite, agora passa o dia todo com ela.

O outro deve ser um espelho das minhas virtudes. Esse é um parâmetro para que eu saiba quão aperfeiçoadas estão minhas virtudes e o quanto ainda devo melhorar, reeducar minha conduta de modo que meus vícios se tornem virtudes e quais meios devo usar para isso.

Do ponto de vista da religião enquanto virtude, o livro auxilia na compreensão de que não se trata de frequentar recintos religiosos ou de pertencer a determinado grupo ou congregação.

Pelo fato de os templos estarem fechados, muitos pensam estar afastados da religião ou até mesmo de Deus. Embora frequentar um templo seja um ato possível da religião, ele não é o único meio de ser religioso.

O livro nos aproxima dessa noção de que apenas frequentar estabelecimentos ou se dizer religioso não bastam para a crença ou prática.

É possível ser religioso em casa e não ser religioso no templo. Nessa perspectiva, a religião está muito mais ligada a ação da pessoa do que a instituições e locais de cultos.

O QUE O DOUTOR ANGÉLICO DEIXOU DE LEGADO EM TERMOS DE ENTENDIMENTO E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS DA RELIGIÃO E JUSTIÇA?

De modo breve, primeiramente, pode-se destacar que, mesmo alguns ensinamentos que nascem em religiões particulares podem ser universalizados, desde que visem garantir o bem comum e a vivência harmoniosa da sociedade.

Segundo, é que nessa tentativa universalizante, Tomás de Aquino define a religião como uma parte da justiça, isto é, se a justiça consiste em dar a cada um conforme lhe convém, a religião é a virtude anexa pela qual alguém pretende dar a Deus aquilo que lhe é devido.

Essa “necessidade” de retribuição e gratidão a Deus (ao universo ou à natureza) é muito comum nos seres humanos.

Obviamente, ao longo da leitura do livro, essa discussão fica mais detalhada, mas de modo geral, é isso. 

E COMO FOI A EXPERIÊNCIA DE PUBLICAR PELA GÊNIO CRIADOR EDITORA?

Foi simplesmente incrível. A editora me deu todo o suporte desde o envio dos primeiros arquivos do texto até a finalização.

Não teve uma pessoa que não olhou a capa e disse “nossa, como ficou linda!”. Todas as sugestões que dei em relação à edição, fonte, papel, design de capa, todas elas foram avaliadas, atendidas.

Além disso, nos momentos de edição em que eu não sabia por onde caminhar, a direção da editora sempre ofereceu boas propostas.

Um trabalho simplesmente impecável! Aproveito esse espaço para agradecer à Editora por todo empenho e parabenizar pelo profissionalismo e humanismo com que tudo foi feito.

DEIXE UM RECADO PARA OS LEITORES DO BLOG.

O que um hábito? O que é uma virtude? O que é um vício? O que é justiça? O que é religião?

Se você não soube responder a uma dessas perguntas, convido você, caro(a) leitor(a), a ler esse livro.

Entenda como se dá a relação do ser humano com a religião na Antiguidade, de modo principal na Baixa Idade Média e como está essa discussão na contemporaneidade.

SOBRE O AUTOR

Moacir Ferreira Filho

Moacir Ferreira Filho é paulista de Mogi das Cruzes e mora atualmente em Ferraz de Vasconcelos (SP). Trabalha como professor de Inglês e Filosofia no Colégio Diocesano Paulo VI, da Associação Cultural Paulo VI.

Na mesma instituição, que é vinculada à Faculdade de Filosofia e Teologia da Diocese de Mogi das Cruzes, Ferreira Filho coordena e leciona no curso de extensão em Filosofia, que no momento está suspenso por conta da pandemia.

O autor é graduado em Filosofia pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (Fapcom) e cursa graduação em Direito pela Universidade de Suzano (Unisuz), além de ser mestre e doutorando em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp).

Em breve, “Justiça e Religião: de São Tomás de Aquino aos dias de hoje” terá um lançamento oficial em evento a ser divulgado pelo autor em seu Instagram e Facebook, com o apoio da Gênio Criador Editora. Mas você já pode adquirir o livro! Sabe como? Acesse nossa loja.

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Fotos: Gênio Criador Editora, Moacir Ferreira Filho